Eu procurei em minha discoteca os dois discos seminais de WALTER FRANCO. Eu tenho, e agora os encontrei “OU NÃO” e REVOLVER, talvez mais pertinentes ao que escrevi, do que “VELA ABERTA” Mas, fiz assim mesmo…
Não à toa WALTER FRANCO causava tumultos.
Eram tempos de “suposta racionalidade explícita”, que vazava pelos poros e desembocava em política militante.
Era inadmissível alguém lúcido, à esquerda, consciente de Brasil e suas mazelas, criar música e arte não declaradamente engajada.
A música brasileira de qualidade, em 1972, estava dominada por CAETANO, CHICO, GIL E TOM JOBIM. É possível argumentar que o cenário não mudou.
São os mesmos faz 50 anos! E com mais força ainda! GILBERTO GIL, por exemplo, está na ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS…
São cinco décadas de um latifúndio produtivo, bem cultivado e politicamente correto. Mas, latifúndio ainda é. E ninguém tasca!
WALTER FRANCO foi um radical. Desafiou isso tudo arquitetando experimentalismo sonoro deslavado, conjugado a letras repletas de sensações sobre o viver e coisas não tão definidas. Nada é explícito em suas músicas perfeitamente compostas.
A poética de WALTER é construída em cima do que ele sente sobre o que pretende expressar. Ele fala e escreve pouco. É sintético; e o resto é ouvinte que interpreta ou tenta desvendar a intenção do autor.
Mas, isto incomoda; e muito! Porque não se coaduna à nossa cultura racionalista e verborrágica. WALTER era o anti-Dylan; o anti-CHICO; o anti-GIL.
Talvez haja na música dele aspectos convergentes a CAETANO. O revolucionário e destemido ARAÇÁ AZUL, de 1973, foi nitidamente inspirado por CABEÇA, um “KRAUTROCK ELETROACÚSTICO”, totalmente experimental, que concorreu em um FESTIVAL sob vaias, ameaças, apupos e adorações. E foi incluído em OU NÃO (1973)
CAETANO VELOSO é também um racionalista, que sabe trabalhar com o sensível elaborado, e é menos conservador na forma do que seus companheiros de geração.
Hoje, WALTER FRANCO certamente seria um anti-RAP e contra o falatório POP imperante na música.
A cultura brasileira é barulhenta demais para um cara reflexivo até quando faz um ROCK PESADO e incômodo.
Quando apresentou CANALHA em outro FESTIVAL, em 1980, foi mais uma comoção.
ZIRALDO, o grande cartunista e artista gráfico, era o excelente MESTRE DE CERIMÔNIAS. E quando foi anuncia-lo, sorriu irreverente: Xiiiiii, agora vamos ver o que acontece!!! Aqui, no palco, um iconoclasta único. E era; e sempre foi!
CANALHA tem letra tão boa, sui-generis e impactante, que você a decora e viaja perseguindo e praguejando contra essa dor de alma indefinida, sorrateira, mau caráter, CANALHA!
Eu me recordo quando entrei na FFLCH da USP, em 1974, aconteceu um seminário com luminares da política, sociologia, artes, psicologia, etc… Foi um passaporte para outro universo ao mesmo tempo integrado e paralelo ao Brasil.
Quem falou quase sob vaias sobre música foi a jornalista e crítica ANA MARIA BAHIANA, na época detentora de legitimidade.
Questionada sobre censura e outras violências do regime militar, ela propôs: “se as palavras, as letras das canções, estão fragilizadas, censuradas, impedidas; então, por que não focar mais na construção da “música” para expressar o protesto?”
Imaginem o bacobufo que ela causou!!!!
Se bem o interpreto, WALTER FRANCO fez isso. E conjugou a experimentação sonora à não explicitude racionalista de suas mensagens. Viagens contínuas.
Ele antecedeu a ARRIGO BARNABÉ, outra persona non grata e imprescindível! E ambos tornaram-se incômodos quase invisíveis, mas onipresentes, perceptíveis…
Afinal de contas, nem a MÚSICA CONCRETA é tão palpável assim!
REVOLVER…
…OU NÃO?
