Estou algo inseguro para escrever este comentário.
O ideal teria sido estudar mais sobre esta senhora, uma original e verdadeira gênio brasileira, reconhecida internacionalmente.
Mas, no Brasil, muito poucos sabem dela fora do mundo acadêmico e da música de vanguarda. Então, algumas palavrinhas: JOCY é doutora em música, detém outros títulos acadêmicos, e publicou vários livros.
Eu a conheço faz tempo. Mas, reativei a curiosidade quando, recentemente, assisti a um documentário sobre música eletrônica brasileira, chamado “ELETRÔNICA MENTES”.
Lá, aparece JOCY cultuada por D.J.s, músicos de vanguarda, críticos, e etc… porque foi a primeira a compor, gravar e divulgar a MÚSICA ELETROACÚSTICA, no Brasil.
Era novidade revolucionária dos anos 1940, em diante, e que nos legou STOCKHOUSEN, LUCIANO BERIO, XENAKIS, LUKAS FOSS, JOHN CAGE, CLAUDIO SANTORO, PIERRE HENRI, e incontáveis…
JOCY DE OLIVEIRA é importante criadora da modernidade musical, que deu na MÚSICA ELETRÔNICA DE VANGUARDA. E por consequência, em parte do ROCK PROGRESSIVO e seus CROSSOVERS históricos, que inundam a cena atual e alimentam D.J.s., RAVES, o HIP-HOP, FUNKS DE PERIFERIA, e vastíssimo etc…, mundo afora, e Brasil adentro.
A criadora/criativa JOCY nasceu em 1936, e foi amiga, parceira, e correspondente de quase todos aqueles compositores citados. Alguns até compuseram especialmente para ela. Pianista de primeiro time, e carreira internacional com 25 discos gravados.
A mestra também dedicou-se a estudar OLIVIER MESSIEN, e fez álbuns com músicas dele.
JOCY teve a orientação de grandes maestros. Inclusive foi regida por STRAVINSKY, de quem era amiga, e trocava correspondências.
E também por ROBERT CRAFT, talvez o maior e mais cultuado especialista internacional em STRAVINSKY.
De certa maneira, ela desistiu de ser concertista de piano para concentrar-se em “óperas” – entre aspas, mesmo!
O que JOCY faz e cria abrange música, teatro, textos, performances de plásticas diversas. Quer dizer: é e sempre foi artista de vanguarda; a pioneira da arte MULTIMÍDIA no Brasil.
Observem o escopo da professora!!!!
Em 1961, JOCY compôs e tocou no primeiro espetáculo feito por aqui de música eletrônica e MULTMÍDIA, no THEATRO MUNICIPAL DO RIO DE JANEIRO.
No palco, a nata da vanguarda do teatro brasileiro, daqueles tempos: FERNANDA MONTENEGRO, FERNANDO TORRES, SÉRGIO BRITO e ITALO ROSSI.
“APAGUE MEU SPOT LIGHT” é um “DRAMA ELETRÔNICO”, escrito por JOCY; e teve a parte musical dirigida pelo grande maestro e compositor LUCIANO BERIO!!!! Foi sucesso total, durante dez dias! Depois, virou história, correu a Europa…
Um feito artístico de larga envergadura!!!!
A partir daí, JOCY DE OLIVEIRA, professora da UFRJ, pessoa organizada, assertiva e determinada, dedicou-se a compor.
Ela revolucionou a ópera moderna no Brasil, trazendo-a para novo formato, bem mais contemporâneo!
Há nove peças compostas e encenadas por ela, Todas estão registradas em DVDS. São difíceis de achar.
Eu assisti a duas.
JOCY dirige e atua com seu “ENSEMBLE” de músicos sensacionais, onde há um “GUITAR HEROE” peculiar: ALOYSIO NEVES, é o primeiro acadêmico, “professor doutor” em guitarra elétrica do Brasil. Pulou na cova, EDDIE VAN HALEN?
JOCY tem iniciativas. E agrega em suas apresentações cantores e cantoras afinados com sua proposta artística.
Procurem saber da sensacional “CANTATRIZ” GABRIELA GELUDA, por exemplo, e sua performance em “LIQUID VOICES”, um… digamos, duplo monólogo e performance entre dois atores; mediada por “ENSEMBLE” dirigido por JOCY.
Nos últimos 40 dias, eu já assisti duas vezes, no ART CHANELL, Adorei!!!
O disco A MÚSICA SÉCULO XX DE JOCY, foi lançado em 1959.
O LONG PLAY original e os outros relançamentos, tocam em 45RPM. É um tanto fora do convencional. São 13 músicas, com total de 20 minutos! A duração é mais curta dos que os discos de “JOÃO GILBERTO” e do “DAVE CLARK FIVE” considerados “concisos”… hum!
O disco não foi ignorado, mas execrado pela crítica e o público, porque intencionalmente mal compreendido.
JOCY tinha 22 anos, naquela época!!! E tinha cabeça muito além de um barquinho e um violão…
No decorrer de décadas, tornou-se caso à parte na música popular brasileira. Eu diria que é a “anti – BOSSA NOVA”!
Por isso, coloquei foto de CD com os três primeiros discos de JOÃO GILBERTO. Falsos parâmetros para algo tão inovador e contestador.
Mas, como assim, TIO SERGIO??!!!
Vou tentar descrever:
Começo citando algumas faixas do disco: SOFIA SUICIDOU-SE; UM ASSALTO NO MORUMBI; INCÊNDIO; BRASÍLIA SÉCULO I; UM CRIME; A MORTE DO VIOLÃO; SAMBA GREGORIANO, entre outras iconoclastias.
E, agora, algumas do JOÃO: CHEGA DE SAUDADE; DESAFINADO; LOBO BOBO; NOSSO AMOR; A FELICIDADE; AMOR CERTINHO; O BARQUINHO…e uma fieira de clássicos…
Sacaram a VIBE em termos de lírica?
JOÃO, TOM, VINÍCIUS e os bossa – novistas nos brindavam com o otimismo da era JUSCELINO. Cantaram o amor, o sorriso e a flor.
E João trabalhou em seu violão sofisticando o samba. Sua voz foi cuidadosamente posta, em canto com as divisões musicais alteradas, e muito estudadas. Obras de arte.
Uma evolução sofisticada, mas conservadora e de bom gosto evidente. A turma da Bossa Nova conseguiu “jazzificar” o samba, tornando – o rico em estrutura harmônica, o que enriqueceu e favoreceu as improvisações.
Pois, saibam: o contraste com o disco de JOCY é chocante! Procurem escutar no YOUTUBE. É rápido; instigante, diferente, dolorido; e talvez desagradável ao primeiro contato.
É um retrato certeiro de um Brasil despontando, e visto por outro tipo de classe média intelectualizada!
JOCY de OLIVEIRA é paranaense, bem formada, e também da classe média alta.
Ouvir “A MÚSICA SÉCULO XXI”, é descobrir que ela se utiliza – talvez o verbo correto seja emular – de modernidades e ensinamentos dos bossa novistas para subvertê-los e contradizê-los.
Em vários momentos, você “acha” que é Bossa Nova. Mas, não é!
O grupo faz introduções nitidamente inspiradas em STRAVINSKY e outros clássicos modernos. E JOCY os amalgama com rupturas de andamentos, mudanças abruptas de ritmo na narrativa musical, e quebra de métrica; mas que se adaptam livremente ao discurso cantado por ela.
A música de JOCY é uma crítica aberta à sofisticação conservadora de seus companheiros de geração da Bossa Nova. É feita de propósito para contrapor-se ao bom-gosto absorvível de imediato. É constante ela cantar quase à beira da desafinação, fazendo harmonizações na ladeira do atonal… Seria???
As letras de JOCY inspiram-se em cenas de violência e desespero. Expõem o vazio e a depressão de seus personagens, através de sua poesia peculiar, e de observações agudas.
É ironia e iconoclastia combinadas o disco inteiro. Ela escreve bem e criativamente.
JOCY arquitetou essa desconstrução. E a música que ela faz está sintonizada ao caos. Afinal, a mestra entende e se especializou em operar os sons incidentais e sem explicações, que habitam ou recaem sobre as pessoas e as cidades, em colagens eletrônicas, os ancestrais dos SAMPLERS de hoje.
Ela sempre operou na criação do inusitado, que a música de vanguarda, e os computadores de hoje permitem a cada vez mais.
Claro, tudo isso requer organização. E ela existe nitidamente. As músicas sempre acabam abruptamente! O que dá impressão de síntese reticente e inconclusa. Um nada mais a dizer repentino. E pronto! Para não dizer F@-se!
Impressiona!
Eu imagino o susto e a perplexidade do ouvinte comum, uns 64 anos atrás, dando de ouvidos com essa cacofonia mascarada por uma tentativa de JOCY ser doce, contemporânea e alegrinha, de violão “em punho!
Em uma das audições que fiz, sei lá porque este LP juntou-se a outro gravado por JOCY: “HISTÓRIA PARA VOZ, INSTRUMENTOS ACÚSTICOS E ELETRÔNICOS”, lançado em 1981. Disco magnífico, e certamente dificílimo de achar.
Pois bem, de alguma forma casaram-se, e não me perguntem o motivo!
E acabou.TIO SÉRGIO ESTÁ TODO PIMPÃO!
GANHEI ELOGIO DA PROFESSORA JOCY DE OLIVEIRA!
