PÉROLAS AOS PORCOS DE TOM RAPP – MARCO ANTONIO GASPARI

TRANSCREVO AQUI O TEXTO DE MEU AMIGO Marco Antonio Gaspari também sobre TOM RAPP e o PEARL BEFORE SWINE. Acho que, no Brasil, apenas eu e ele escrevemos sobre os dois!!

Foi um acaso feliz, em cima de assunto raro, com poucas fontes de informação original, mas nós dois conhecíamos os discos e tivemos motivações para escrever! São perspectivas diferentes, e complementares. Por isso, é pertinente e justo manter o que ele escreveu muito bem!

A safra de LSD produzida e distribuída por Owsley Stanley em São Francisco naquele ano de 1967 devia ser das melhores, porque os freaks da cidade simplesmente alucinaram quando viram nas lojas aquele disco incomum, cuja capa mostrava um detalhe do quadro “O Jardim das Delícias” do pintor flamengo Hyeronimus Bosch.

O nome do disco era “One Nation Underground”, estréia da banda Pearls Before Swine, que na contracapa não fornecia nada mais além das letras de algumas músicas. Nada de ficha técnica, nada de foto da banda, um mistério que só serviu para alimentar as especulações da população hippie que já havia chapado com o último disco dos Beatles:

Sargeant Pepper’s Lonely Hearts Club Band.

Como o som era algo que hoje podemos rotular de acid folk melódico, e os arranjos traziam exóticos instrumentos árabes e asiáticos sobre um Farfisa garageiro, o cérebro fritado em banha ácida da comunidade hippie começou a viajar e boatos foram levantados de que aquele disco deveria ser uma não creditada parceria entre ninguém menos do que Bob Dylan e os Beatles.

Bom, as letras eram originais, poéticas, desarticuladas e longe do estilo dylanesco, o que não impediu que justificassem como letras de outra pessoa na voz de Mr. Zymmerman. E quanto aos arranjos sofisticados, eles até que tinham um pedigree que se encaixava na árvore genealógica dos rapazes de Liverpool, mas a viagem não acabava por aí. A alucinação bateu forte por causa do selo que lançou o disco: o novaiorquino ESP Records, com certeza o selo mais anticomercial daquela época, que já havia lançado dois discos da banda The Fugs e vários álbuns experimentais de free jazz. Se dois dos maiores expoentes da música jovem de então quisessem documentar uma parceria e escapar dos problemas contratuais com suas gravadoras, nada melhor do que um disco fantasma lançado pelo mais underground dos selos. Na cabeça de todo pirado que habitasse entre o distrito de Haigh-Ashbury, em São Francisco, e o bairro do SoHo, em Nova York, tudo se encaixava e “One Nation Underground” vendeu na época cerca de 200.000 unidades. É até hoje o disco mais vendido da história da ESP Records.

No ano seguinte, um novo disco do Pearls Before Swine, tão bom quanto o primeiro, aterrissou nas lojas: “Balaklava”. Desta vez, o disco trazia na capa uma pintura do também pintor flamengo Pieter Bruegel (o velho) chamada “O Triunfo da Morte”; e não por acaso, Bruegel tinha Bosch como uma de suas principais influências. Aqui o PBS revela não apenas sua temática “anti-war” como também todo o seu mistério para aqueles que não se deram ao trabalho de ler resenhas sobre o primeiro disco nas revistas da época, já que traz uma foto da banda na contracapa e o nome de seus integrantes.

Para ser sincero, não sei se é correto chamar o PBS de banda. Estava mais para um projeto de um jovem e brilhante músico, autor de muitas das letras mais poéticas e surrealistas dos anos 60, chamado Tom Rapp. Tom nasceu na cidade de Bottineau, Dakota do Norte, quase na fronteira com o Canadá, e cresceu em Minnesota, onde foi muito influenciado pelos músicos de country e folk locais. Seu estalo para a música, porém, aconteceu quando ouviu no rádio Peter, Paul and Mary tocando “Blowing In The Wind”. Resolveu aprender a tocar a música imediatamente e, quando soube que era de Bob Dylan, interessou-se pelo compositor e passou também a compor. Espécie de autodidata, Tom aprendeu tudo o que sabia sobre tocar um instrumento nas folhas de um song book de Joan Baez. Junto com três amigos da escola onde fazia o colegial em Melbourne, na Flórida, formou uma banda (Wayne Harley no banjo e bandolin, Lane Lederer no baixo e guitarra e Roger Crissinger nos teclados) e gravou uma fita demo que foi enviada à ESP Records. Imediatamente foram convidados a gravar um álbum.

Essa tal de ESP Records foi a primeira gravadora dedicada quase que exclusivamente à música underground. Pertencia a um advogado do ramo musical de nome Bernard Stollman e foi fundada em 1963 na cidade de Nova York com o nome de Esperanto Disk, cuja especialidade era gravar LPs nessa língua universal. Quando encurtou o nome da gravadora para ESP, Stollman passou a oferecer, podemos dizer, a única oportunidade para músicos de jazz de vanguarda, folk-rock boêmio e colagens experimentais gravarem um disco. Graças a esse espírito pouco convencional e alheio ao mainstrem, a ESP lançou discos de Sun Ra, Pharoah Sanders, Paul Blee, The Fugs e Holy Modal Rounders, entre outros alucinados. Também tinha parte de seu catálogo dedicado ao que hoje chamamos de World Music, com discos de música regional de vários países.

Aliás, isso explica a sonoridade medieval e os instrumentos exóticos do primeiro disco do PSB. Quando Tom Rapp e cia. entraram no estúdio da ESP em Nova York, encontraram vários instrumentos das bandas étnicas que gravavam por lá. Como a gravadora cedia apenas o estúdio, sem ter um produtor ou engenheiro de som, as bandas usavam seu tempo como queriam e o PSB se sentiu à vontade para tirar um som dos sarangis, ouds (espécie de balalaika) e osciladores que estavam dando sopa.

O sucesso de Balaklava, tanto de público quanto de crítica, acabou animando Bernard Stollman a oferecer uma compensação financeira a Tom Rapp, mas imagino que não deva ter sido muito boa pois já li algumas entrevistas do artista dizendo que ele não fez dinheiro algum com esses discos.

Balaklava também marca o final da carreira do Pearls Before Swine como grupo, pois os três amigos de Rapp debandaram logo após e ele continuou como artista solo, mas usando ainda o nome do PBS. Lançou 5 discos pela Warner/Reprise e 2 pela Blue Thumb até 1973.

Em 1976, finalmente caiu a ficha de que, apesar de ter gravado quase uma dezena de LPs, lançado vários compactos, feito vários shows e conquistado um certo reconhecimento da crítica especializada, não valia mais a pena para um artista com tão pouco apelo comercial como ele viver quebrado financeiramente. Rapp então abandonou a música e voltou a estudar, formando-se em economia e advocacia.

Em 1995, após aceitar um convite do fanzine Ptolomaic Terrascope, apresentou-se ao vivo junto com seu filho David e pode constatar que sua música havia influenciado vários novos artistas. Muitos deles, inclusive, gravaram um CD tributo ao Perls Before Swine em 1997.

Vou finalizar com um trecho de uma entrevista de Rapp à Revista Goldmine de outubro de 1994: -“ Eles (Warner/Reprise) disseram que havia um público para o que eu estava fazendo, mas não tinham nenhuma idéia de onde ele estaria ou de como alcançá-lo, mas os discos estavam vendendo e havia difusão em todo o mundo. Realmente, uma vez eu recebi um cheque da BMI da Albania ou Paquistão no valor de $22.50, então as pessoas ainda estavam me ouvindo”.

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