MARISA MONTE: MAESTRINA DE SUA PRÓPRIA POLÍTICA E CRIAÇÃO

 

MARISA MONTE é um elo curioso entre a tradição da música brasileira e a vanguarda que a excede e transcende.

A nova MPB e o POP NACIONAL contemporâneo têm parte da genética trazida por ela, e cultivados milimetricamente por sua estratégia de carreira. O bom gosto, a calma e muita paciência.

Para uma cantora excelente, versátil e talentosa, com 34 anos de sólida reputação; e de grande sucesso de público, crítica e comercial, MARISA gravou pouco e esparsamente.

Apenas doze discos, alguns DVDs, e participou de projetos e coletâneas. Mas fez shows, muitos shows, todos de sucesso enorme.

Fiquei intrigado que tenha vendido em torno de dez milhões de álbuns, em tanto tempo de carreira. É pouco demais. Seria?

MARISA MONTE soube colocar-se no ápice do mercado: é simultaneamente lúdica e lúcida; cult e popular; um mito sem permitir que se transforme em ícone expostos à luz do templo, e à “sanha” das massas.

Ela começou muito jovem, 19 anos., gravou MM, 1989, disco ao vivo em que demonstra seu potencial e talento. Vai do jeito GAL COSTA de cantar, passa por algo BLUESY no vocal, repertório eclético, de samba a PORGY and BESS. Foi muito bem sucedida inclusive graças à produção de NELSON MOTTA. Dali, foi hit atrás do outro.

MARISA é carioca típica, mas discreta. A gente percebe o acento inconfundível daquele RIO DE JANEIRO sofisticado, classe média alta. E vou tomar emprestados dois verbos para tentar definir: “escandindo” tradições, e “instilando” vanguardas e novidades. MARISA MONTE conjuga esses dois polos que ela, também, tornou complementares.

No passado, NARA LEÃO transitou da BOSSA NOVA para o alto do morro. E, de lá, ajudou a trazer a grande tradição popular do SAMBA para os jovens, a classe média emergente, e o confirmado respeito intelectual.

O magnífico SAMBA, também foi veículo de resistência àqueles tempos duros, nos 1960/1970.

E, não esqueçamos: foi NARA quem defendeu os novos compositores, as doideiras da TROPICÁLIA, em 1967; o uso de guitarras elétricas, e a nova fusão que se intrometia entre o ROCK DE FORA e a mais legítima MÚSICA BRASILEIRA.

Sob esse aspecto, NARA é precursora de MARISA.

MARISA justapõe e às vezes mescla a verdadeira música de raiz brasileira.

Incentivou, sem clubismo, as grandes ESCOLAS DE SAMBA do Rio. Produziu e gravou os compositores da PORTELA, e da MANGUEIRA, também. E ambos em discos diferentes, e em seus próprios ambientes. Resumindo: respeito, dedicação e reverência.

Além de moça elegante e bela, têm como parceiro a mais completa tradução de competência, gentileza e arte das tradições cariocas: PAULINHO DA VIOLA. Credencial e passaporte insubstituíveis!

Compondo seu próprio mosaico, MARISA tem muito critério e discernimento na seleção de parceiros.

Incentiva arranjos diferenciados, e mantém o pensamento focado em fazer de cada disco uma obra única e, se possível, prima! Conseguiu?

Não vou enfrentar essa discussão.

Mas há tratamentos inusitados em cada obra, como TUBA em lugar do BAIXO; HARPA, CUÍCA, RECO-RECO e SINTETIZADORES. E até um “BABY SITAR” – que mal consigo pensar que porra seja essa, a não ser… todos juntos e muito bom gosto a bordo como resultado.

Fez dessas e outras mais.

MARISA convocou gente da VANGUARDA JAZZÍSTICA AMERICANA para os seus discos. O saxofonista JOHN ZORN; o guitarrista MARC RIBOT; o produtor cantor ARTO LINDSEY; o cultuado compositor e cantor DAVID BYRNE…, todos experimentalistas.

E não esqueceu gente mais FUNK. como o tecladista BERNIE WORRELL, mito da BLACK MUSIC.

E todos mesclados com músicos brasileiros, e moderados pelo talento em produzir da própria Marisa, foram amalgamando e criando um som pessoal, novo, contemporâneo a cada disco realizado.

Aqui, a tradição cedeu lugar ao novo.

E tudo junto ao mesmo tempo agora, aliou-se à vanguarda do ROCK PAULISTA.

Os TITÃS preenchem outro lado na tela do mosaico criativo de MARISA. Em NANDO REIS conseguiu um ar juvenil, um POP SOFISTICADO, mas não muito cabeça. Coisa da hora, para recuperar expressão pertinente.

Mas, com ARNALDO ANTUNES, o POETA que ela trouxe para chamar de “seu”, a química soa perfeita.

À precisão e poder incisivo da linguagem poética de ARNALDO, temperado com – vou chutar – a sensibilidade feminina de MARISA e a delicadeza de seu canto; juntam-se a urgência POP à vasta possibilidade que a língua portuguesa permite em algumas dezenas de versos raros, claros, musicais e musicados.

Da poesia à composição musical.

A parceria de MARISA MONTE e alguns TITÃS é anterior. Mas tornou-se efetiva nos TRIBALISTAS, à partir de 2002, com ARNALDO e CARLINHOS BROWN – percursionista classe mundial.

Houve um rejuvenescimento POP, às vezes pouco mais do que adolescente, e foi aos poucos tomando lugar da experimentação mais escancarada.

Em seu último disco, “O QUE VOCÊ QUER SABER DE VERDADE”, isto fica nítido. Inclusive com as críticas não tão favoráveis como antes.

Eu confesso não gostar da interação vocal entre ANTUNES e MARISA. Acho a voz dele seca, antimelódica, e para mim feia. Um baixo barítono lembrando o atual DYLAN. Um tanto diferente para alguém que emulava PETER MURPHY….Mesmo assim, o dueto é inusitado.

Mas, o que realmente importa é a alta qualidade média dos discos e a efetivação de uma dupla linguagem, quase sempre distintas: o respeito à TRADIÇÃO e o POP brasileiro moderno assumido. E MARISA navega sobre os dois com igual competência.

Em 2020 ela trocou de gravadora. Deixou 32 anos de EMI e foi para a SONY.

Talvez reflexo de algum estancamento criativo na carreira, já um tanto perceptível. Há cinco anos mais ou menos no mesmo sentido e algum marasmo. Talvez, quem sabe, pela própria mesmice da música popular em geral.

Há novidades com um projeto chamado CINEPHONIA, em 2020.

Marisa lançou, também, o disco PORTAS, em 2021. De certa maneira, continuidade ao que vinha fazendo, mas com foco mais nítido sobre o POP, sua linguagem mais bem definida. Melodias bonitas, as parcerias tradicionais, e mais outras.

Muitos reclamaram que ela fez mais do mesmo. Eu também achei. Mas, por que exigir dela experimentações, descobertas novas em terreno cego e mal arado, como andam as nossas paragens musicais?

Prefiro que ela fique livre cultivando o belo, dando um tempo.

Veremos no que dará. Da minha parte, vou observar e continuar gostando, prometo…

Mas não deixem de curtir MARISA, porque é pra lá de prazeroso!

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