ROCK DE GARAGEM, BUBBLEGUM E BEATNICKS… E OS ENSINAMENTOS DE DOSTOIÉVSKI PARA ANTROPÓLOGOS E MUSEÓLOGOS.

Para mim, parte da década de 1960 trouxe dias menos sombrios. Mesmo que imersos na DITADURA MILITAR. Motivo?
Eu era jovem, perambulava entre a consciência política ainda não adequadamente despertada, e o interesse ascendente em coisas culturais. E comecei a prospectar e colecionar discos de ROCK!
No início dos 1970, resolvi melhorar o meu inglês e comecei a procurar curso para fazer. Fui em duas escolas de referência, em São Paulo: a CULTURA INGLESA e a UNIÃO CULTURAL BRASIL – ESTADOS UNIDOS. Assisti aulas promocionais em ambas. Escolhi a CULTURA INGLESA.
Pois bem; foi quando rolou o que vou descrever. E por consequência, a minha “inflexão” e posterior “reflexão” ética (nossa, TIO SÉRGIO, manera aí!).
Eu tive em vinil a maioria dos discos da postagem. Todos bem legais: tive os FUGS, grupo FOLK BEATNIK ALTERNATIVO, inaudível para os mais sensíveis; até os HUMAN BEINZ, protopsicodélicos dançantes criadores, em 1968, de clássico dos bailes daqueles tempos em diante: Quem não conhece “NOBODY BUT ME”, não foi jovem em 1969!
E há dois discos contidos no CD dos BUCKINGHAMS, excelente banda contratada pela COLUMBIA RECORDS. São pequenas joias POP gravadas em 1967 e 1968. E, mais importante, foi a primeira intervenção de JAMES WILLIAN GUERCIO, produtor requintado. E o criador do “JAZZ – ROCK”, antecessor da “FUSION”, que se consolidou como expressão do enorme “MIX” de conceitos que passaram a ser o dia-a-dia da criatividade musical.
A criação de GUÉRCIO foi muito contestada na época, e algo além… Principalmente pelos JAZZISTAS e JAZÓFILOS mais clássicos. GUERCIO foi um inovador da linguagem musical POP! No fundo, instaurou possibilidade para artistas de alto nível se reciclarem frente às mudanças do mercado. Creiam; não é pouca coisa!
Com os BUCKINGHAMS, ele esboçou e produziu o que depois desenvolveu com o BLOOD, SWEAT & TEARS, e o CHICAGO TRANSIT AUTHORITY, dois sucessos merecidos e retumbantes! Procure ouvir!!
Na contramão, trago os SHADOWS OF KNIGHT e a CHOCOLATE WATCH BAND, bandas do mais ( im ) perfeito ROCK DE GARAGEM da História! Imprescindíveis, também.
Mas, aqui estão dois originais que foram salvos pelo TIO SÉRGIO da “extinção por maus tratos e tortura”. Explico em partes, como recomendam os princípios da dissecção…ooopss, what porra it´s that, TIO SÉRGIO? – pô, disse metaforicamente, é claro:
“THE MUSIC EXPLOSION” foi uma das invenções da dupla de empresários, JERRY KASSENTEZ e JEFFREY KATZ, que produziu e vendeu como chicletes músicas comerciais dançáveis do final dos 1960 até meados dos 1970. A banda gravou um LP ( que tive o “original massacrado”… ) e vários SINGLES. “A LITTLE BIT OF SOUL”, 1967, estourou! Curiosamente, o LADO B, “I SEE THE LIGHT”, é garageira radical e matadora! Eu escuto até hoje! Vou contar a história do “salvamento” desse LP logo mais…
O duo K&K foi um dos criadores do chamado “BUBBLEGUM”. Subgênero meio fake, festeiro e juvenil, que legou “artistas montados sob encomenda”, que transitavam entre as bandas e projetos da dupla e no grande entorno.
Ficaram quase famosos grupos como “1910 FRUITGUM CO.” e “OHIO EXPRESS”, notórios frequentadores das trilhas sonoras dos bailinhos e paradas de sucesso. Ambos gravaram muitos SINGLES de sucesso. Só que o primeiro álbum do “OHIO”, é imperdível: puro GARAGE ROCK!!!
O maior sucesso da era do BUBBLEGUM foram os ARCHIES, criados por “DON KIRSCHNER”, concorrente fortíssimo. Mas, “KASSENETZ & KATS” eram os caras! Depois, se envolveram em outras formas de ARTE POP, CINEMA, e etc…
Outro disco que “salvei” foi KICKS, com PAUL REVERE & THE RAIDERS, banda de verdade que andava mais ou menos por ali.
Transitavam do POP radiofônico ao ROCK DE GARAGEM com tudo o que uma… digamos… “BOYS BAND DA PESADA” poderia fazer de melhor! Tinham imenso FAN CLUB, e um grande “TEEN IDOL” , o cantor MARK LINDSAY. Tocavam bem; e a sonoridade e produção da COLUMBIA RECORDS garantia o restante!
PAUL & THE RAIDERS gravaram mais de 30 SINGLES de sucesso, e alguns álbuns que ficam bem em qualquer coleção de BEAT e GARAGE ROCK. Ouçam no álbum KICKS a cheia de pique CORVAIR BABY, que vale o disco.
Agora, vou narrar os salvamentos e a ressurreição. Durante um mês frequentei a UNIÃO CULTURAL, mas “não a escolhi”. Por lá, havia uma discoteca gerenciada por uma senhora que tratava os discos como o BOLSONARO trata os opositores; e LULA cuida da lógica.
Olhando a pequena estante, enxerguei dois LPs jogados, sujos, capas vilipendiadas; claramente manuseados com o desdém estúpido dos desinteressados: “KICKS”, de PAUL REVERE & THE RAIDERS, e “A LITTLE BIT OF SOUL”, do MUSIC EXPLOSION. Eram vistos como lixos descartáveis…
Uma tarde, houve o “descolamento e, ao mesmo tempo, o deslocamento” dos objetos. Acho que por desmaterialização que só o CAPITÃO KIRK, da nave ENTERPRISE, fazia na época… Ainda não havia a “INTERNET DAS COISAS”. Acho que a combinação de magia e tecnologia fez os discos migrarem para a minha coleção…
Eu tratei bem deles. Foram lavados, curados, capas recompostas, entre diversos atos de afeto. Hoje, tenho quase certeza de que sobrevivem por aí.
O que nos leva aos ensinamentos da ARQUEOLOGIA, da ANTROPOLOGIA e de DOSTOIÉVSKI:
Um ANTROPÓLOGO americano respondeu para o colega ARQUEÓLOGO mexicano, que lhe havia questionado sobre os “males do imperialismo, e os desvios das riquezas culturais de seu país para outros locais.
Ele simplesmente disse:
“Você está certo. Nós e outros tiramos daqui e de vários lugares parte de suas relíquias, e as levamos para Museus. Foram, também, para coleções particulares metade do patrimônio arqueológico “removido”.
“Mas, eu te pergunto, disse ao colega: O quê aconteceu com a outra metade?”
E o professor mexicano respondeu constrangido:
“pois, é; perdeu-se ou foi destruída…”
E um grande dilema ético se instalou: Roubar, mas preservar? Ao invés de “respeitar” e perder um passado relevante e precioso? Uma escolha de Sofia?
Durante muito tempo, senti-me um transgressor por causa da materialização daqueles discos em outro lugar… Depois, li CRIME E CASTIGO, de DOSTOIÉVSKI. É sobre a racionalização de um crime hediondo; um assassinato cometido pelo personagem principal contra uma criatura nefasta e deletéria.
Considerando as devidas proporções, eu sou o RASKOLNIKOFF do colecionismo. Eu e muita, mas muita gente, né pessoal?
Por agora, é isso!
POSTAGEM ORIGINAL 21/04/2022
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