SAUDAÇÕES COTOVELARES! Por causa da pandemia:
Não tenho medo de voar. Seja por avião ou pensamentos; ou especulações em cima de assuntos que aprecio e suponho saber um pouco.
Dia desses, eu estava selecionando discos aprisionados em minha discoteca de música brasileira. Passei pente grosso em um cipoal de coisas que, suponho, estavam deslocadas do foco de meus interesses. Separei uns 40 para vender, trocar… sei lá!
Eu não lembrava bem de JOÃO DONATO e o porquê de sua importância e fama rediviva, aqui e lá fora.
Escutei discos e gostei. Mesmo quando pré-Bossa Nova, onde ele mistura música latina – boleros – com música brasileira em seu piano excelente, mas ainda não tão pessoal.
TOM JOBIM começou carreira na gravadora ODEON selecionando, em 1956, repertório para “CHÁ DANÇANTE, o disco de JOÃO DONATO. Miscelânea de coisas dançáveis, lounge, comerciais e belas.
O DONATO que mais nos importa começa em 1958, quando gravou duas músicas de JOÃO GILBERTO: MINHA SAUDADE e MAMBINHO. Depois, excursionou com ele pela Europa.
JOÃO DONATO foi para os EUA em 1959, e pertenceu às orquestras de MONGO SANTAMARIA, TITO PUENTE…onde refinou seu repertório latino.
Em 1963, já em plena BOSSA NOVA, instalou-se de vez na AMÉRICA e ficou por lá gravando com NELSON RIDDLE, HERBIE MANN, CHET BAKER…artistas consagrados. Ele foi pianista requisitado.
Quando retornou ao Brasil, em 1973, já havia consolidado seu estilo sincopado de tocar piano; as frases curtas que estancam repentinamente. Ele trabalha muito com o ritmo; e tem o SILÊNCIO como parte estrutural da música.
Este é o JOÃO DONATO – um péssimo cantor – que ressuscitou para as novas gerações, e é “sampleado” de montão. Ouçam os discos LEILÍADAS, 1986; e QUEM É QUEM, 1973; onde os diferenciais estão nítidos.
THELONIOUS MONK é de tal forma seminal que merece postagem única e mais bem estudada. Mas, não hoje.
Porém, SPHERE (Sim, é também parte do nome dele!!) tem características que ressaltam. MONK é outro grande operador do SILÊNCIO como integrante da música. Seu fraseado é curto e “duro”. O piano tocado quase nota por nota, com certa agressividade e força, emite sons sempre mais altos do que se espera da maioria dos jazzistas.
Eu acho THELONIOUS nada sutil. Ele toca usando muita dissonância e de maneira totalmente pessoal. É um GÊNIO da música, um estilista moderníssimo. Tudo fica bastante perceptível nas faixas solo. E muito evidente em sua fase na COLUMBIA RECORDS, (1962/1968), onde as gravações são de alto nível técnico e artístico, como sempre a hoje SONY MUSIC fez e faz.
ALFRED BRENDEL é austríaco e ainda vivo. Está entre os grandes pianistas de música clássica dos anos 1950 em diante. Um virtuose superdotado de obra extensa e importante. Ele é especialista em MOZART e SCHUBERT, e referência em BEETHOVEN. Suficiente, você não acha?
VON KARAJAN gravou três vezes o ciclo completo para PIANO e ORQUESTRA da obra de BEETHOVEN.
BRENDEL fez quatro vezes o mesmo ciclo! E três vezes a integral das 32 sonatas compostas pelo gênio!!!! Ele teve imaginação, empenho e determinação como poucos!
Curiosamente, ALFRED BRENDEL pertence à escola dos pianistas que procuram executar a música de acordo com as indicações e partituras originais do compositor. Ele defende que obras magistrais são de inesgotável densidade. Por isso, comportam infinitas leituras, por cada um ou por vários artistas; e não se esgotarão jamais!
BRENDEL é um intelectual, professor e pesquisador incansável, com vários livros publicados!!! Está aposentado das salas de concerto. Tem 96 anos.
Ele é um estilista, e seu dedilhar é perfeito. A gente escuta nota por nota, em tempo e ritmo precisos; ele não usa muito os efeitos dos pedais. Tudo isso o ajuda a construir e controlar o SILÊNCIO e as pausas, entendidos como recursos musicais.
ALFRED BRENDEL faz uso massivo e denso de acordes nos registros baixos. E sua interpretação vai do barulho desconcertante à suavidade extrema; sempre com pertinência, e elegância elevada. É um intérprete exímio e pianista de técnica apuradíssima.
Aliás, é o meu pianista predileto!
Mas TIO SÉRGIO, o que te trouxe à pretensão e arrogância de escrever sobre três músicos tão excepcionais e diferentes entre si?
Talvez a minha percepção seja incompleta e simplista. Mas vejo em DONATO, THELONIOUS E BRENDEL o domínio do SILÊNCIO e das PAUSAS como parte integrante e ativa da concepção e da execução musical.
Mal comparando, se os três jogassem futebol pertenceriam àquela estirpe de craques que sabem jogar sem a bola; e dominam o espaço, o tempo, e se deslocam magicamente pelo campo.
No caso desse trio, a música e a “não música” se complementam integradamente.
TALVEZ?
POSTAGEM REVISTA, ORIGINAL 02/05/2021

POSTAGEM REVISTA, ORIGINAL 02/05/2021
