Este é um dos discos mais bonitos que ouvi nos últimos dez anos!
Os que me conhecem devem saber que eu gosto muito do conceito, sonoridade, ética e princípios musicais da gravadora ECM. Eles vão fundo e sem preconceitos.
O critério é a qualidade artística e técnica, e certa compatibilidade com a percepção musical estendida, mas compreensível, pela cultura ocidental.
A ECM não é e nunca foi uma gravadora de WORLD MUSIC estrito senso.
De PAT METHENY a EGBERTO GISMONTI, passando por KEITH JARRETT e ARVO PART, navegam e prospectam em quaisquer cantos do mundo, onde a quase infindável quantidade de bandas e propostas se cruzem ou manifestem.
O exótico sempre se mantém. Mas, compreensível o tempo inteiro, porque comunicável através da riqueza propiciada pela estrutura do JAZZ e da MÚSICA EXPERIMENTAL; e até do POP desenvolvidos no ocidente. É o estranhável comunicado sem pastiche, redução ou simplismo mistificador. É sempre novo!
Aqui, mais um exemplo das fronteiras expandidas. COLIN VALLON, ótimo pianista; PATRICE MORET, um baixista que sabe garantir o andamento sutil; e SAMUEL ROHRER, baterista diferenciado. São jovens e suíços, e compuseram o repertório do disco.
O três têm vivências acompanhando jazzistas e músicos populares de arredores próximos e longínquos. Vão da cantora JAZZ – FOLK albanesa, ELINA DUNI; ao saxofonista suíço CYRILLE BUGNON. Eles pesquisaram até o FOLK TURCO substanciado e arranjado em JAZZ, em uma das faixas. E MORET é fã do RADIOHEAD!
Tudo isto perfaz um compósito original, melódico, sofisticado e belo! É “tudo junto ao mesmo tempo agora” – e novo!
RRUGA, algo como jornada, caminho, em língua albanesa, é o primeiro disco deles gravado para a ECM. Traz aquela paz inquieta, mas não a inquietude e urgência que, por exemplo, a música de MILES DAVIS nos transmite!
Se consigo descrever, afirmo que são composições intelectualmente muito bem desenvolvidas. Não há fios deixados soltos. Tudo foi ensaiado; nada parece improvisado, mesmo sendo a música livre, melódica, harmônica e ritmicamente desenhada para voar sem repetições ou “motivos” muito claros.
É obra construída por quem teve tempo para pesquisar, fazer e criar cada passo. Não há exageros; os andamentos são mais lentos, e tudo é costurado pela ação e interdependência entre os três ótimos músicos!
Não é o FREE e nem JAZZ EXPERIMENTAL. Quem sabe um tipo de MULTI-FUSION?
No disco, se observa um baterista de imenso repertório rítmico, quem sabe emulando o atual KING CRIMSON e suas três baterias afinadas diferentemente para também fazer “melodias”, e não somente acompanhar…
SAMUEL ROHRER constrói melodias e sonoridades para contrapontuar a melodia e harmonia do piano tocado por COLIN VALLON. E o faz com tal estilo, controle e destaque, como poucos que conheci. É um músico diferenciado, um grande baterista, que vale a pena observar! O resultado em cada faixa é mágico, quando percebemos a bateria transitando para o melódico, além do percussivo.
Mas, em momento algum há virtuosismo explícito e exacerbado de nenhum dos músicos. Elegância pode ser uma boa aproximação para a música que escutamos aqui.
Este é o único disco de VALLON gravado com a participação de ROHRER – que partiu para carreira solo. É muito possível que não tenha existido espaço para dois protagonistas desse nível em um trio…
A única contraindicação é você não ouvir o quanto antes esse disco irrepreensível. Um ótimo presente para ganhar no natal!
