OS COMPORTAMENTOS, E A TRILHA SONORA ARREBATADORARevi recentemente “OS SONHADORES”, 2005, grande filme de BERNARDO BERTOLUCCI sobre a instabilidade política, e o “ESTADO de ESPÍRITO” das sociedades ocidentais, em 1968. Eu interpreto assim e com alguma pretensão, porque a amplitude daqueles eventos misturando mudanças nos comportamentos, na política, e nas artes; culminaram na definitiva inserção dos jovens na vida pública de cada sociedade democrática.Houve revoltas profundas e violentas mundo afora. Em países como a FRANÇA e a ALEMANHA, quase inviabilizaram a estrutura de poder instituída. Não viraram revoluções, por muito pouco…As revoltas estenderam-se pelas duas Europas da época da GUERRA FRIA. Lembram-se da PRIMAVERA de PRAGA? A instabilidade levou a União Soviética a reprimir violentamente a então TCHECOSLOVAQUIA, a sociedade comunista mais liberal da EUROPA ORIENTAL. Um corte revelador no discurso quase liberal, na ideologia comunista.As revoltas populares também atingiram profundamente os ESTADOS UNIDOS, reforçando a CONTRACULTURA política e o libertarismo caótico dos movimentos HIPPIES. Houve reflexos até no JAPÃO.E chegou ao BRASIL, onde a expressão política foi o ATO INSTITUCIONAL no.5, perpetrado pela ditadura militar. E a mudança radical nas artes cênicas; e mais visível na música, que até hoje retêm ecos daqueles momentos! Vide CAETANO VELOSO, GILBERTO GIL, CHICO BUARQUE, SÉRGIO RICARDO, OS MUTANTES, e vá enumerando diversos, dos quais continuamos falando…O filme de BERTOLUCCI pretende mostrar um somatório; uma síntese da bifurcação entre a CONTRACULTURA NORTEAMERICANA e a quebra dos paradigmas de PODER POLÍTICO acontecidos principalmente na FRANÇA – onde a invocação confusa de um COMUNISMO MAOISTA, radical e repressor, se imbricava a um PÓS-EXISTENCIALISMO ultra libertário. Nítida contradição.Tudo considerado: a proposta dos revoltosos mais estridentes era um híbrido insolente e utópico. A imposição radical de mudança a uma sociedade já madura, livre, mas insuficientemente democrática. E cantando como hino para o “ritual político “um roquinho de uma nota só”: o LIVRO VERMELHO do mano MAO!Não rolou, claro. No auge da bagunça, o PARTIDO COMUNISTA FRANCÊS se compôs com o governo DE GAULE, e ambos restauraram a ordem.E, depois, garantiram expansão das liberdades públicas, como a reforma no ensino Superior FRANCÊS, antes quase petrificado frente os tempos novos. Eu poucas palavras, os franceses não precisaram de um golpe de Estado para voltar à normalidade. Resolveram no papo, nas disputas intelectuais entre RAYMOND ARON e SARTRE. O que muito bem poderia ter sido feito, no Brasil, entre ROBERTO CAMPOS e CELSO FURTADO, por exemplo. O que teria desanuviado o climão político pesado… E, pensando melhor, já em 1964, antes do golpe…O filme de BERTOLLUCI acontece neste momento.As revoltas – por pouco, uma revolução de verdade, em MAIO DE 1968 – funcionam como subtema, exposto magistralmente no final do filme.Mas, enquanto isso, rola a vida em sociedade. As insuficiências, pretensões, grandezas e absurdos. E, principalmente, os personagens e seus delírios. Um contraponto gritante frente aos limites, mesmo que estendidos ao máximo, como que à procura de uma síntese nova. É mais ou menos assim: MATTHEW, o personagem de MICHAELL PITT, americano, vai estudar em PARIS. Lá, conhece ISABELLE, personagem da sensualíssima EVA GREEN, e seu irmão THEO, interpretado por LOUIS GARREL. Os irmãos convidam MATTHEW para morar com eles, no apartamento enorme, mal cuidado e velho.O imóvel é dos pais dos gêmeos, dois intelectuais totalmente “libertários”, que vivem viajando a trabalho. Quer dizer, retornando à época, pais egoístas, egocêntricos e inconsequentes. Eles mantêm os filhos com grana, nenhuma restrição, obrigação, ou traços de moral. Não cuidam das “crianças”.Os meninos se viram bem na ausência de regras. O lugar é um tumulto, com bebidas, drogas, comida estragada espalhada; eles têm relação incestuosa, e fazem o que bem entendem em meio à sujeira, desordem, falta de tudo… A canção THE END, na trilha, e clássico absoluto dos DOORS, pode ser entendida como espelho sonoro da cena.E quando chega MATTHEW, ele e ISABELLE se envolvem. Mas, toleram a um quase “trio”…Os três adoram cinema. Assistem e vivem os personagens. No apartamento, o quarto de ISABELLE é arrumado, limpo, e bem decorado. Um contraste absoluto com a desordem ao redor. Ela não permite que ninguém vá lá… Parece que a metáfora pretendida seria a total anomia daqueles tempos. PARIS saqueada, lotada por lixo não recolhido, em impasse político terminal, influenciando diretamente nas pessoas, em total movimento sem destino claro…O final, de fato, ainda é o meio…A trilha sonora é muito interessante. Vai de clássicos franceses, como CHARLES TRENET, esbarra no pianista MARTIAL SOLAL, traz MICHEL POLNAREFF – “LA PUPPET QUI FAÎT NON” ( no caso, LA PUPPET FAÎT OUI, o tempo inteiro… ).Deriva para a turma aqui postada, e não necessariamente para esses discos. Tem de tudo: de ROCK PSICODÉLICO ao SUNSHINE POP. Mas, ouvi ecos do PINK FLOYD. E mesmo que não sejam… E o final é com a mais adequada entre as francesas, quando se pensa em relatar a “francesidade”: EDITH PIAF. “NON, JE NE REGRETTE RIEN” é a cara da FRANÇA….
