MAIS GEORGE HARRISON & PHILIP GLASS DOIS SEGUIDORES E PARCEIROS
Uma tarde, na década de 1990, ANOUSHKA SHANKAR, filha e a aluna de RAVI, chegou em casa com vários discos de ROCK. E o abraçou por trás carinhosamente, bem ao estilo ocidental.
Foi repreendida.
Menos talvez pelo afeto, mas porque não deveria esquecer suas origens e as tradições indianas, se envolvendo demais na cultura do ocidente.
Hoje, ANOUSHKA SHANKAR é sitarista e concertista de nível internacional. E continua gostando de ROCK. Há um vídeo de 2007 com ela e o JETHRO TULL, em MUMBAI. É bem legal!
RAVI SHANKAR além de ser o grande nome do SITAR, e pioneiro da WORLD MUSIC, foi um professor comprometido, maestro, e pasmem… era cantor afinado!
Ele sempre recordava a seus alunos sobre o propósito da música, um meio de aproximar-se do divino. Para o hindu, ela não existe sem a integração com o espiritual. Não é apenas “destreza técnica”, mas disciplina mental.
O RAGA, a moldura dentro da qual a música é desenvolvida, não existe sem o RASA, a inspiração que orienta a composição e sua execução, que geralmente é improvisada.
Porém, o RAGA segue regras tradicionais e, ao mesmo tempo curiosamente dá liberdade ao artista para fazê-la a seu modo. Não há um RAGA igual a outro.
RAVI foi um PANDIT; um mestre integral dedicado à música clássica indiana.
No final dos anos 1950, RAVI SHANKAR era um astro de seu instrumento, e já havia gravado nos EUA a música tradicional da Índia.
Em 1962, ele gravou com o flautista de JAZZ, BUD SHANK, uma das primeiras tentativas de integração, ou ao menos justaposição, entre as culturas musicais ocidente-oriente.
Porém, virou mundialmente famoso em 1966, quando GEORGE HARRISON tornou-se discípulo seu, e fez imersão de seis semanas com RAVI, para aprender os rudimentos e tocar o SITAR.
HARRISON compôs “WONDERWALL MUSIC”, em 1968, totalmente baseada e executada em temas indianos, para a trilha sonora do filme de mesmo nome. É uma obra psicodélica interessante. Quanto ao filme…
Na segunda metade dos “sixties”, além dos BEATLES, os KINKS, os BYRDS, os YARDBIRDS o TRAFFIC… incluíram o Sitar em alguns ROCKS.
E não vamos esquecer dos mais ligados ao JAZZ, como JOHN McLAUGHLIN e o SHAKTY, na década de 1980 entrando de cabeça na fusão JAZZ-FOLK-CLÁSSICO hindu!
O SITAR é um instrumento curioso e sofisticado, cuja característica principal é executar MELODIAS. Não serve para construção de HARMONIAS, ou fazer acordes – que aliás não existem na música tradicional da Índia.
PHILLIP GLASS foi atraído para orquestrar RAVI SHANKAR, porque a COMPOSIÇÃO MINIMALISTA não se baseia na harmonia. É uma criação musical fundada em melodias e ritmos. Um RAGA requer geralmente o SITAR para melodias, e as TABLAS – espécie de pequenos tambores – pontuando o ritmo; e sempre respeitando regras tradicionais determinadas para o RAGA e o RASA.
O CD PASSAGENS, de 1990, é composto por RAGAS MINIMALISTAS ORQUESTRADOS. Um encontro de “reciprocidades entre culturas”, eu diria. Muito bonito!
A propósito, quem promoveu o encontro entre os dois magos, por sugestão do dono da gravadora, foi PETER BAUMANN, do TANGERINE DREAM – uma banda de “ROCK MINIMALISTA”…
O BOX “IN CELEBRATION” , aqui postado, foi compilado e produzido por GEORGE HARRISON, e lançado em 1995 pela ANGEL RECORDS.
São 4 CDS: o primeiro, de MÚSICA CLÁSSICA INDIANA; outro com trabalhos orquestrados ou para pequenos combos. Um terceiro de crossovers culturais entre ORIENTE E OCIDENTE; e o quarto com música vocal e experimentos diversos. É altamente PROGRESSIVO e instigante, por este ponto de vista.
É curioso observar a muito bem feita integração realizada pelo maestro ANDRÉ PREVIN, em movimentos do SITAR CONCERTO No. 1. A música é organizada de modo “ocidental”, mas o SITAR de RAVI retém a estranheza da música hindu. Belíssimo!
É imperdível, também, o duo entre SHANKAR e o violinista YEHUDI MENUHIN, talvez a integração mais perfeita que escutei! Foi gravado em 1967. E há o flautista JEAN PIERRE RAMPAL interpretando outro RAGA de maneira totalmente ocidentalizada e realizando justaposição de conceitos. Um desvio bem-vindo?
Há outras maluquices mais ali dentro.
RAVI participou do festival de MONTEREY, em 1967. Assistiu e gostou de JANIS JOPLIN e OTIS REDDING.
Assistiu a HENDRIX, de quem admirava a técnica. Mas ficou profundamente incomodado quando ele colocou fogo na guitarra. Reprovou, também, THE WHO e a destruição que fizeram dos instrumentos. Porque ofensivo para visão de harmonia que a música representava para RAVI.
Revendo as cenas, passei a concordar integralmente com ele: poluição e desperdício; protesto de perdulários irresponsáveis, acho hoje.
SHANKAR foi um cidadão do mundo, viveu na Europa e nos EUA – onde deu aulas na Universidade de Los Angeles e Nova York. E, como é culturalmente tradicional, orientou os próprios filhos na carreira dentro da música hindu.
RAVI é pai da cantora NORAH JONES – meia irmã de ANOUSHKA SHANKAR – que estudou piano e virou artista conhecida no JAZZ, e quase totalmente integrada ao ocidente. Tem, mesmo assim, música gravada pelas duas em conjunto. Muiti legal!
Quando GEORGE HARRISON, seu grande amigo, estava nos últimos momentos de vida por causa do câncer que o matou, RAVI ficou na cabeceira de seu leito tocando RAGAS adequados em seu SITAR celestial.
Além de um gênio diferenciado da música, SHANKAR era, também, um excelente sujeito e muito bom caráter.
Espero que RAVI e GEORGE não tenham reencarnado. Este mundo definitivamente não os merecem!
