CELLY E TONY CAMPELLO, E O DILEMA DE ESTAR ENTRE DUAS GERAÇÕES

Noite incerta, no meio da quase madrugada, assisti a “BROTO LEGAL” , filme expondo o período de nascimento e quase glória do ROCK BRASILEIRO.
Claro, tio SÉRGIO, o chato, observa que faltou ao roteiro alguma sofisticação sociológica; questionamentos pertinentes, mesmo que não tão estridentes ou militantes.
Reviver aqueles tempos, incentiva o “viajante” a reflexões mais amplas.
E eu vou tentar.
O BROTO LEGAL, entre 1958 e 1962, foi CELLY CAMPELLO. Cantora talentosa, voz delicada e dicção clara e perfeita. E a imagem da menina jovial, “virginal” e de família, mas recatada na medida certa. Ela era SIGNO de um tempo que rumava célere para a extinção…
TONY CAMPELLO, seu irmão, e coadjuvante também talentoso, cantava em bailes, na região de TAUBATÉ, SP. Em 1956, veio trabalhar no SESC, em São Paulo. Foi o antídoto encontrado pelos pais para evitar que ele enveredasse em vida desregrada… Mas, com as noites vagas, descolou jeito de continuar cantando.
Nessas, ele cruzou com o grupo de MARIO GENARI FILHO; músico, produtor, e talvez o primeiro a tentar introduzir, no BRASIL, o ROCK AND ROLL, sucesso da hora, na AMÉRICA.
Ele convidou TONY para cantar em um 78 RPM que pretendia lançar, pela ODEON. CAMPELO gravou o lado A. Mas, para o lado B, o ideal seria uma cantora. Testaram esquecida veterana – eu não sei quem. Quase rolou…quase.
Foi quando TONY sugeriu a irmã, CELLY, de 15 anos! Mas, já apresentando programa na rádio CACIQUE de TAUBATÉ! E causando um pequeno agito regional!
CELLY deu conta do recado muito além do que esperavam! E TONY convenceu o relutante pessoal da ODEON a gravar versão de um HIT mundial da cantora CONNIE FRANCIS: e “ESTÚPIDO CUPIDO” foi explosão instantânea , em 1958!
CELLY virou sucesso arrasador. Excursionou pelo BRASIL; e gravou e vendeu discos, até 1962, quando desistiu da carreira para casar-se com o namorado de adolescência, JOSÉ EDWARD CHACON. Ela tinha 20 anos, gravou mais alguns discos, até 1965. E saiu de cena.
No início da década de 1970, houve certo “REVIVAL” com a novela “ESTUPIDO CUPIDO”. Mas CELLY não voltou a desenvolver carreira. Ela e o marido permaneceram casados até a morte dela, em 2003.
Entre os CDs na postagem, está um CD DUPLO dedicado aos dois, que faz parte da COLEÇÃO BIS, da gravadora EMI – que relançou, em, 2000, coletâneas da turma da JOVEM GUARDA. Mas, todos os CDS foram mal concebidos, e não trazem quaisquer informações sobre artistas e obras.
No repertório, estão 28 músicas, em qualidade técnica aceitável. Porém, CELLY mereceria algo feito pela BEAR FAMILLY RECORDS, especialista no POP/ROCK dos 1950/60. Certamente, os alemães dariam tratamento adequado tanto às músicas, quanto na parte gráfica e textos.
CELLY CAMPELLO foi a primeira TEEN IDOL brasileira. Era contemporânea de outra teenager, também baixinha e superdotada: BRENDA LEE, que forjou carreira de imenso sucesso, saindo do POP indo para o COUNTRY e até o GOSPEL; e continua viva… Postei aqui.
Sem dúvidas, CELLY CAMPELLO influenciou ELIS REGINA que, em 1961, lançou “VIVA A BROTOLÂNDIA”. Certamente, CELLY inspirou RITA LEE, PAULA TOLLER e, talvez, SANDY; entre diversas cantoras que, se repararmos bem… Dizem as boas línguas que TOM JOBIM gostava do jeito de CELLYcantar…
É interessante notar que os TEEN IDOLS explodiram para valer anos depois: STEVIE WONDER, STEVIE WINWOOD e PETER FRAMPTON; e sem focar nas BOYS BANDS tipo MENUDOS, BACK STREET BOYS, NSYNC. Ou, também, os meninos coreanos de agora, e tantos e tontos outros, ao longo das décadas. Opa!!! , não vamos esquecer MICHAEL JACKSON, o maior deles todos!
Há um detalhe “histórico e sociológico” fundamental. CELLY, como NEIL SEDAKA, PAUL ANKA, BRENDA e CONNIE, os TEEN IDOLS da década de 1950, são frutos de uma geração intermediária de artistas. Estão entre o ROCK AND ROLL clássico de ELVIS, CHUCK, JERRY LEE LEWIS, e BUDDY HOLLY.., e a emergência do BEAT, na Inglaterra e nos E.U.A..
Quando CELLY desistiu, em 1962, os BEATLES, os STONES, DYLAN e os BEACH BOYS estavam se firmando, e mudando completamente o panorama da música popular no mundo inteiro!
CELLY não topou fazer a JOVEM GUARDA com ROBERTO e ERASMO CARLOS, em 1966. Ela estava casada e com dois filhos. Preferiu cuidar da família. O lugar que seria dela foi para WANDERLEIA. Com certeza, CELLY não tinha noção do momento histórico. Porém, acertou: ela e TONY tinham nada a ver com o projeto do programa!!! Eram de outra geração e, possivelmente, teria sido um fracasso.
É curioso, CELLY gravou versão de “AS TEARS GO BY”, clássico CULT dos STONES, de 1965, e também vertido por FRED JORGE, o profissional predileto para fazer as versões do POP estrangeiro daquele momento. Ficou algo romântico demais, e ao estilo do que era feito na década de 1950. O que dá a medida dos desafios que CELLY teria, caso enfrentasse as mudança na moda e nos comportamentos. Ela não participou da era BEAT. E não tinha perfil para encarar os novos tempos de completo desregramentos.
“AS TEARS GO BY” é música de transição para o ROCK PSICODÉLICO, e fala de depressão. Em tese, não é para jovens esperançosas e alegrinhas. Eu especulo se a decisão apaixonada, conservadora e imprevista que CELLY tomou, não acabou por favorecer o seu MITO? Mas é muito possível; talvez bem provável!!!
Décadas atrás, eu conheci e me tornei amigo de TONY CAMPELLO. É um excelente sujeito. Aberto, discreto e bem-humorado – um cavalheiro!
Certa vez, na mesa de um bar, na Avenida Paulista, eu contei pra ele que, na primeira vez que andei sozinho de ônibus, em 1959, tocava no rádio “O CANÁRIO “, música singela, bonita e gentil, cantada em dupla por TONY e CELLY. Eu jamais esqueci do momento, da sensação, do bem estar e liberdade que estava provando ao me locomover sem a presença de minha mãe ou do meu pai. E a música transmitia o afeto e a empatia, que só os realmente talentosos conseguem passar.
Enquanto eu pesquisava para o texto, depois de anos, toquei novamente a música. E aqueles instantes únicos voltaram com a emoção e a nitidez de 60 e tantos anos atrás!
TONY CAMPELO se referia sobre a morte da irmã de um jeito delicado e apropriado. Ele não dizia que CELLY havia morrido. E, sim, que estava viajando por um lugar muito melhor!!!
Ele foi, além de cantor, um produtor musical interessante. Lançou SÉRGIO REIS, já no pós – JOVEM GUARDA; E produziu, entre várias outras músicas, PANELA VELHA, talvez o marco inicial desse misto de COUNTRY MODERNO, MÚSICA CAIPIRA, GUARÂNIA, etc…, batizado de SERTANEJO! TONY contribuiu para que essa música híbrida se tornasse o verdadeiro POP do Brasil. Gostemos ou não, é um fato.
TONY também organizou, para a B.M.G, ótima coleção de “CAIPIRAS” de raiz. E fez reviver uma série de “DUPLAS” do passado tidas como artisticamente relevantes. Ele trabalhou, e viveu de música a vida inteira. E conhece muito o POP ROCK da década de 1950 e início dos 60; e a música verdadeiramente popular feita por aqui.
Faz muito tempo que não o vejo. Infelizmente. E, hoje, ele é o decano dos ROCKEIROS brasileiros, com perto dos 90 anos de idade! CELLY e TONY CAMPELO são parte relevante da HISTÓRIA MUSICAL BRASILEIRA, e merecem o nosso respeito, e o resguardo de suas memórias!
POSTAGEM ORIGINAL: 29/04/2023
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