Aconteceu em uma tarde qualquer perdida na década de 1980.
Fui visitar a BARATOS & AFINS, loja cult e imprescindível em SAMPA, conhecida por quase todos que curtem música, gostam ou colecionam discos. Estão por aqui faz quase meio século!!!!
O Luiz Calanca talvez não se recorde, mas conversamos um pouco sobre discos variados. Ele fez um comentário que, penso, sintetiza a posição da loja e do próprio Luiz sobre o quê vale a pena ter em estoque e vender.
Esquecido na fluidez da memória e na imprecisão que a idade “conserva”, o LUIZ disse algo assim: “Há discos que eu compro além do que sei que irei vender de imediato. É porque confio no produto. São obras para o tempo julgar!”
E pegou o disco amarelo na foto, CIRCLE – PARIS CONCERT, o terceiro na segunda fileira, e mostrou como exemplo.
Eu já havia comprado a edição brasileira da ECM, álbum duplo, qualidade gráfica e industrial de primeira ordem, lançada por aqui na década de 1970. Tenho orgulho disso!
Era ousado demais para um roqueiro embebido em cervejas e HARD BLUES. Mas, eu já em travessia para outras galáxias musicais! Então…
Pois bem, o tal disco me perseguiu; e me intriga até hoje! Era e permanece VANGUARDA. É Pós FREE JAZZ perscrutando o FUSION JAZZ. Talvez além disso. É intrincada OBRA DE ARTE!
Mas, quem está lá?
Claro, CHICK COREA, piano; DAVID HOLLAND, contrabaixo; BARRY ALTSCHULL, bateria; e ANTHONY BRAXTON, sax e outros apetrechos roncadores e sonantes.
É gente do primeiro time do “porvir”!
Não foi a primeira vez que dei de cara com o CHICK. Eu já conhecia o BITCHES BREW, de “MILES DAVIS”, 1970. E, também, o grupo “RETURN TO FOREVER”, que fez grande sucesso juntando JAZZ a elementos de música LATINA e de MPB. Um reflexo da revolução que a BOSSA NOVA e o guitarrista CARLOS SANTANA fizeram no mercado musical e nas sensibilidades.
Mudando de pato a sapato, o Tio SÉRGIO, aqui, gosta muito de SPACES, álbum lançado em 1974, onde COREA e o guitarrista LARRY CORYELL, organizam FUSION soberba encostando no ROCK PROGRESSIVO. O disco foi um “must” naqueles tempos – e é até hoje!!!!
CHICK COREA nasceu em 1941, fez carreira em alto nível; e na maior parte do tempos desafiando VANGUARDAS, inovando. Gravou de tudo e um pouco mais. É de competência incontestável!!!!
De certa forma, ele retornou para o JAZZ CONTEMPORÂNEO de feitio “mais tradicional” – se isto for possível.
COREA foi um craque na elaboração de melodias, e sempre capaz de tocar confortavelmente solo, em grupos, duos, ou quaisquer outras formações que ouvi.
Ele e seu contemporâneo também genial, HERBIE HANCOCK, nascido em 1940, desenvolveram o MODERNO PIANO JAZÍSTICO ao limite.
E, ao longo de suas carreiras, incluíram teclados elétricos, sintetizadores e outros brinquedinhos da modernidade. Ambos flertaram com o FUNK e o ROCK em seus discos. Aliás, todos de nível estético superior.
HERBIE e CHICK são duas são lendas e ritos, que dialogaram quase o tempo todo, e por décadas, como se disputassem entre si para ver quem era o mais antenado, competente, gênio e influente.
Estavam empatados, quando CHICK morreu de um câncer raro, em 2021.
Como legado artístico, gravaram em dueto disco cult e colecionável, COREA/HANCOCK, de 1978. Um testamento de afeto e respeito que seguramente sobreviverá.
Postei aqui os discos que tenho de CHICK COREA. Ouvi alguns, hoje; e estou terminando com LIVE IN MONTREUX, gravado em 1994; Um primor de modernidade melódica. Um disco Imprescindível e até fácil de encontrar.
Com a morte de CHICK sei que fiquei um pouco mais pobre interiormente. A falta de CHICK é mais um prego no caixão existencial de minha geração. Houve e sei que haverá outras perdas. Infelizmente. É do existir…
Talvez algum dia lancem BOX coligindo a obra completa dele; e à altura do que a SONY fez com HERBIE HANCOCK.
CHICK COREA merece artefato mais eloquente, completo e respeitoso. E definitivo, quem sabe?
Se e quando acontecer, espero que o preço não emascule os homens e nem estupre as mulheres, em suas respectivas contas bancárias.
Artistas como CHICK COREA são sempre provedores de arte. E também de afetos!
Brindes ao CHICK, e com a reverência que ele merece!
Texto original 13/02/2021
