TEXTO ALTERNATIVO
A primeira vez que prestei atenção no DAVID BOWIE foi em 1972.
Vi algumas fotos e reportagens sobre aquele rebento franzino, com voz de galinha sendo currada no terreiro, exibindo um visual um tanto apalhaçado. Ele levava Londres à loucura!
Então, comprei o LP. “ZIGGY STARDUST, AND THE SPIDERS FROM MARS”, que estava sendo lançado no Brasil.
Confesso que não gostei. Achei tudo meio fraquinho. Uma banda que não chegava aos pés dos meus ídolos da época. Mas, está no disco SUFRAGETTE CITY, um ROCK vigoroso, e até hoje muito empolgante.
Eu não sou muito chegado ao GLITTER-ROCK, o sub – estilo da época que, em minha opinião, nos legou poucos artistas relevantes.
O melhor de todos foi o ROXY MUSIC, banda do genial BRYAN FERRY; que, no primeiro disco, teve a participação essencial de BRYAN ENO, também.
Break!
Em 1978, fui a um bar excelente e muito em moda, aqui em São Paulo, chamado “LEI SECA”. Era um final de tarde; certamente uma sexta feira, e ainda com pouca gente por lá.
Eu e um amigo bebíamos chope, enquanto rolava um som extremamente interessante! Fiquei fascinado, e perguntei ao DJ o que era?
É o DAVID BOWIE, ele respondeu!
Mal acreditei! Em nada lembrava o BOWIE galináceo que eu conhecia! Outro papo, e gravado ao vivo!!!!
A voz, renovada, atingia registros entre o tenor e o barítono. E um jeito de cantar lembrando “nosso” ídolo – meu e de BOWIE!! – SCOTT WALKER. O repertório teinha músicas mais densas, pesadas, eivadas por arranjos e instrumentação modernos. Foram-se mais de 45 anos…
E, para consolidar, BOWIE estava acompanhado por uma das melhores bandas que eu havia escutado! E olha que eu já colecionava discos, E mais ou menos acompanhava os lançamentos…
O disco era (é) o “STAGE”, o show ao vivo de 1978, que repassa a chamada FASE BERLIN, acontecida entre 1975 e 1977.
Para mim, ainda é o melhor disco ao vivo de BOWIE. A banda voa no palco, e o som é totalmente vanguarda, juntando resquícios do GLAM ao KRAUTROCK. É inspirado, no KRAFTWERK, TANGERINE DREAM, NEU, e outros, da vertente europeia continental, mais precisamente alemã, do chamado ROCK PROGRESSIVO. E, claro, incorporando parte da nascente AMBIENT MUSIC, invenção de BRIAN ENO!!!
É disco obrigatório e ainda atual.
Foi a catarse que consolidou minha atenção para universos musicais fora do BLUES, do HARD ROCK , do HEAVY METAL e do PROGRESSIVO.
Eu já flertava com o JAZZ e alguns CLÁSSICOS. Estava incorporando, ao meu cotidiano, artistas e ideias diferentes.
Certa vez o jornalista PAULO FRANCIS, um elitista consumado, escreveu que “um colega da FOLHA DE SÃO PAULO, o havia convidado para assistir a um SHOW de BOWIE, em Nova YORK”. Ferino, engraçado e cortante como era, disse que não acreditou!
E comentou ter visto o gnomo mutante em um programa de televisão. Notou que DAVID trajava roupa de balé masculino, com uma espécie de repolho no rabo. E avisou ao colega que não iria de jeito nenhum. Nem se fosse torturado pela GESTAPO….
NELSON MOTTA, na Globo, observou que chamar DAVID BOWIE de “Camaleão” era impreciso.
Eu concordo. Ele não se disfarça. Sua proposta estética sempre foi passar pelo que rolava no POP ROCK de sua época. E compreender, redefinir, e melhorar o que ouviu. BOWIE é um Instigador de RUPTURAS. Desafiador do estabelecido.
É ouvir e constatar.
Talvez?
Vamos revisitar um pouco a carreira de BOWIE, começando pela antessala de outra quebra radical de paradigmas do MODERNO POP:
STATION TO STATION, 1976, foi gravado no EUA, e já traz alguns elementos e tecnologias que mudaram a imagem e a carreira de BOWIE, no ano seguinte.
É disco precursor da chamada FASE BERLIM, a cult e altamente influente trilogia, que teve também BRIAN ENO na concepção: em 1977 saíram LOW e HEROES; e LODGER, foi lançado em 1979. No meio do caminho, 1978, o representativo SHOW ao vivo STAGE.
A importância dessas gravações fica nítida com o pedido feito pelo grande compositor clássico contemporâneo, PHILIP GLASS, o criador do minimalismo, para transformar em “SYMPHONYS” os discos “LOW”, 1993, e “HEROES”, 1996. E depois, “LODGER”, lançada em 2022. A SINFONIA número 12, de GLASS.
DAVID BOWIE e BRIAN ENO aceitaram, claro. E os resultados são grandiosos. Procurem conhecer.
A trilogia BERLIM original foi concebida à partir das propostas e inovações do KRAUTROCK – nome genérico dado a diversos tipos de ROCK PROGRESSIVO de base eletrônica feitos na Alemanha, desde o final dos anos 1960.
A participação de ENO é indissociável do resultado da trilogia. E de tal forma que, a “AMBIENT MUSIC” que ele havia criado, proliferou de outras formas em associação com artistas alemães de música eletrônica. E dali expandiu-se; e está presente na modernidade musical na obra artistas como ENYA, KATE BUSH, e inúmeros “esvoaçantes” que flutuam na NEW AGE, ELETRONIC LOUNGE, WORLD MUSIC, RAVES, duplas de TECHNO POP, e vasto etc…
Há um monte de discos e propostas interessantes, à disposição de quem se dispuser a pesquisar o KRAUTROCK e seu incomparável legado.
Mas, BOWIE, como ENO, também não cessou. De certa forma, a experiência de BERLIM orientou sua produção para o restante da vida.
Aos que se interessam por vanguardas heterodoxas, recomendo ir à caça de JOHNNY ROTTEN, durante a sua produção na década de 1980, e procurar as inovações PUNK/ METAL / VANGUARDA ELETRÔNICA criadas pelo PILL, sua banda. Por lá passou a fina flor do lodaçal…
E, no disco LODGER, BOWIE incorpora ROTTEN, em “IT´S NO GAME”.
Dois músicos de vanguarda! Rótulos à parte; dois inovadores.
E assim prosseguiu BOWIE. Gravou UNDER PRESSURE, em dueto com FREDDIE MERCURY, em 1982. Redefiniu o falecido “guitar hero”, STEVE RAY VAUGHAN, craque do BLUES, trazendo-o para disco pop dançante, juntamente com NILE RODGERS, do CHIC – importante e memorável grupo R&B/DISCO. E os três deram cores ao álbum “LET´S DANCE”, de 1983.
DAVID convidou, em 1985, PAT METHENY, guitarrista espetacular de JAZZ FUSION, e gravaram juntos “THIS IS NOT AMERICA”, hit pop clássico e memorável.
Em1993, RODGERS produziu outro clássico dançante e sofisticado: BLACK TIE, WHITE NOISE, onde estão as sensacionais “NITE FLIGHTS”, de SCOTT WALKER; e “I FEEL FREE”, clássico do CREAM!
Aos poucos adentrou a década de 1990, já em simbiose com a nova MÚSICA ELETRÔNICA DE VANGUARDA, as técnicas de mixagens, participação em trilhas sonoras, e atuação em filmes.
Em BASQUIAT, por exemplo, ele interpretou de ANDY WHAROL.
Também em 1994, BOWIE lançou outro disco magnífico, OUTSIDE. Ousado CROSSOVER de ELETRÔNICA DE VANGUARDA e ROCK PESADO e lúgubre. Um dos subprodutos é um SHOW AO VIVO, de 1995, com a presença de TRENT REZNOR, do NINE INCH NAILS – talvez a banda símbolo daqueles tempos.
Eu acho DAVID BOWIE artista quase tão completo e instigante quanto MILES DAVIS.
E, certamente é comparável a CAETANO VELLOSO, o artista mais versátil do Brasil – que ziguezagueou da PSICODELIA AO INFINITO, passando por quantas “brasilidades” se imaginar – por enquanto…
DAVID BOWIE trabalhou dialogando, tangenciando, penetrando, ou ultrapassando as vanguardas com as as quais cruzou.
Viver e ser contemporâneo a ele foi um privilégio indiscutível.
Lágrimas eternas para o DAVID.