Eu recordo entrevista de EGBERTO GISMONTI, onde ele comentou a versão que o maestro POP francês, PAUL MAURIAT, fizera de “O SONHO”, composição algo famosa por participar de um Festival da Canção:
“Eu reclamei de ele ter retirado uma nota importante do arranjo original. MAURIAT disse que era crucial para que a música ficasse “plana, fluísse”…
Deve ter sido, mesmo…
EGBERTO GISMONTI estudou com NADIA BOULANGER – grande professora, compositora e maestrina contemporânea francesa.
MADAME BOULANGER foi aluna de EDGARD FAURÉ, e amiga próxima de STRAVINSKY!!! – e se tornou professora da nata dos compositores contemporâneos desse planeta, e talvez de outros…
Para ficar em alguns, foram orientados por ela o maestro DANIEL BAREMBOIM, os compositores PHILLIP GLASS, AARON COPLAND e DARIOUS MILHAUD. E, também, QUINCY JONES, PIAZZOLLA e GISMONTI. Se quiserem saber mais, pesquisem; existem outros…
EGBERTO GISMONTI é um superdotado desviante do “MAINSTREAM” da música brasileira. O primeiro álbum dele foi realizado na CULT gravadora ELENCO, em 1969. Eu afirmo que é “JAZZ – BRASIL ABRANGENTE”. Está lá, por exemplo, “composição – tributo” ao guitarrista WES MONTGOMERY…
O disco foi cantado por um iniciante algo tímido, oscilando entre JOÃO GILBERTO e CHICO BUARQUE – de quem ele provavelmente inspirou-se para um certo clima “paroquial” – típico do CHICO anos 1960. ( ouçam a LÍRICA DA MULHER AMADA ).
GISMONTI é de e mora em CARMO, no INTERIOR do RIO de JANEIRO. Talvez o charme algo ingênuo de parte desse disco provenha de lá…
Porém, o lado instrumental já previa o POP URBANO PÓS-BOSSA NOVA.
Os sons MPB que GISMONTI desenvolveu “não derivam de sambas explícitos” . Estão mais próximos, por exemplo, de MARCOS VALLE – outro superdotado que “bate fora do bumbo” da costumeira, esperada, sonoridade da MPB.
EGBERTO compõe arranjos orquestrais sofisticados, como faziam os maestros tropicalistas ROGÉRIO DUPRAT e ARTHUR VEROCAI. Sempre foi um vanguardistas em nossa cultura. Ele é brasileiro, sim! Mas siderando e perscrutando universos musicais variados…
Os arranjos que GISMONTI compôs são eivados por MÚSICA EUROPEIA, algum ROCK, e JAZZ de VANGUARDA. São muito bons e interessantes. Mas, não imediatamente identificáveis como brasileiros.
EGBERTO GISMONTI sempre anteviu um BRASIL além da pauta tradicional. E seu trabalho foi explicitar e parir esta música diferente. Ele é parte da cultura POP proposta por CAETANO, GIL, MILTON e VALLE. É músico brasileiro completo, atípico e inigualável; ajudou a inserir a moderna MPB na música mundial.
Sua linguagem, instrumentação e estética não foi rendição ao feito lá fora; mas conquista e ampliação para o que é feito aqui dentro. Mesmo porque, os meio e sonoridades que adotou foram assumidos como instrumentos para a expressão do que somos. Ele sempre foi e será BRASIL.
O segundo disco de GISMONTI, SONHO 70, é mais bem elaborado. Quem produziu foi ROBERTO MENESCAL, com arranjos e regência de GISMONTI.
É mais JAZZY, com algo dos “SWINGLE SINGERS” nos vocais em que participa DULCE NUNES!!! Algumas faixas trazem moderna linha de baixo, o que as ligam talvez à BOSSA NOVA , mas em “conluio” aos sonhos PROGRESSIVO/FUSION que ele viria fazer. É, talvez, disco precursor de suas reorientações “europeias”. Fica mais perceptível a interação POPULAR/ERUDITO, também bastante nítida em voos futuros de GISMONTI.
Entre 1971 e 1972, EGBERTO gravou três discos dificílimos de encontrar: “ORPHEU NOVO” é outro deles, e faltou aqui. Ele fez TRILHAS SONORAS, e refinou-se paulatina e continuamente. Expôs-se.
Em 1973, o EGBERTO mais ELETRÔNICO, PROGRESIVO E FUSION, decolou rumo a… tudo o que se tornou! ( Pô, TIO SERGIO! Enrole menos…) Foi contratado pela gravadora EMI. E fez, durante muito tempo, dobradinha com a ECM alemã. A música dele tem o clima e o espírito da CULT e sofisticada ECM.
Nesse período, iniciou-se a longa parceria com o poeta, letrista, hoje membro da ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS, GERALDO CARNEIRO – talvez a versão brasileira dos compositores PETE SINFIELD (KING CRIMSON ), ou KEITH REID ( PROCOL HARUM ). E GERALDINHO o completou esplendidamente!
EU assisti a show de JOHN McLAUGHLIN e banda, no Ginásio da “semimorta” PORTUGUESA DE DESPORTOS, em SAMPA, no início da década de 1980. A “LUSA” é o time do coração do maestro e pianista JOÃO CARLOS MARTINS. E meio que segundo ou terceiro time de estimação dos paulistanos. ( Tá bom, tá bom: a gente gosta do JUVENTUS da MOOCA, também…)
O ginásio estava lotado. E o som era de péssima qualidade. Como, aliás, em quaisquer shows ao vivo da época!
Abertura?
Claro, do EGBERTO GISMONTI; que foi ao microfone e disse claro: “OBRIGADO POR TEREM VINDO; VOCÊS NÃO VÃO SE ARREPENDER!!!” …
Sentou-se ao piano e arrebentou…
Noite inigualável!!!! eu já era fã, e assumi de vez e para sempre!
Procure ouvir. EGBERTO é inigualável e imprescindível.
POSTAGEM ORIGINAL:22/08/2020

POSTAGEM ORIGINAL:22/08/2020
