ENYA PATRICIA BRENNAN, ELA! FINALMENTE COM VOCÊS!

TIO SÉRGIO não é crítico ou resenhista de artistas ou discos mortos. Não faço necropsias. Não sou “legista cultural”.
Entendo a música, e as artes em geral, como objetos de pensamento em dinâmica perpétua. Procuro sensibilidades relevantes. E, no máximo, eu ressuscito hipotéticos mortos e os trago para UTI do tempo presente. E tento fazer que tenham “alta” e voltem para as ruas da memória cultural prontos para embates e debates.
ENYA PATRICIA é personagem e artista relevante; é a segunda maior vendedora de discos em todos os tempos, entre os artistas irlandeses. Mais de 80 milhões! As vendas de VAN MORRISON, THIN LIZZY e RORY GALLAGHER juntos, não chegam perto dela! ENYA só perde para o U2!
A moça tem fortuna estimada em $140 milhões de dólares, e mora isolada em um castelo, na Irlanda. Fez apenas 9 discos solo, três coletâneas, e vários singles e remixes, em mais de 35 anos de carreira. É onipresente na WEB, com as músicas STREAMING. Há várias mixagens e outras combinações, O que a deixam em perene evidência.
Ela ganhou, também, vários GRAMMY como cantora NEW AGE, estilo facilmente constatável escutando sua produção. E Isso tudo sem “jamais” ter feito uma turnê, ou se apresentado ao vivo – com honrosas exceções:
Cantou única música em concerto de Natal, no Vaticano, em 1995. ENYA é católica, e foi convidada pelo papa JOÃO PAULO II. “Cantou” , também, uma ou duas com playback em cerimônia do Oscar, em 2002. E deu sua graça no aniversário do rei da Suécia – um “enyófilo” vigoroso!
Em 1996, os japoneses ofereceram 500 mil libras por um concerto!!!! Só um! Ela recusou. Dizem que já planejaram mega apresentação, com orquestra e banda, que seria transmitida ao vivo mundialmente! Mas não rolou!
Talvez ela seja tímida, ou sem o desembaraço para enfrentar palcos. O mais provável, é que tenha concluído que sua música é artefato de estúdio; o que lhe garante distância física do público, e qualidade técnica, mantendo o mito criado em torno de si.
ENYA conseguiu o mais difícil: libertar-se da sacrificante vida nas turnês, e viver do que faz em estúdios – desejo de muita, mas muita gente mesmo! Ela trabalha e produz barato: canta todas as vozes e toca os instrumentos, com exceção de percussão e sopro. Com NICK RYAN, seu produtor e arranjador; e ROMA RYAN, sua parceira e letrista dão conta de tudo. Estão juntos desde o primeiro disco, 1987. Bastam-se lucrativamente.
ENYA é mais impressiva do que bela; tem o jeito de quem saiu do filme “O SENHOR DOS ANÉIS” para refugiar-se em campos e castelos recônditos na Grã Bretanha e vizinhanças. É criatura contidamente SOLAR, dentro do limite que se pode ser luminoso naquelas paragens frias, chuvosas – ensimesmadas.
Para entender parte do mito que a cerca, é preciso considerar que silêncio e mistério são apetrechos de marketing eficazes. Pensem em MARISA MONTE.
E vejam KATE BUSH, silenciosa, insondável e reclusa; e também operando nos limites do FOLK com o ROCK PROGRESSIVO e a MÚSICA EXPERIMENTAL. O anúncio de quaisquer discos de ENYA torna-se evento memorável. Vendem na hora.
Mas, por favor, não confundam as duas: KATE BUSH é um gênio musical complexo. Vocal intenso e lindíssimo; é “soprano lírica”, de timbre que pode variar do agudo ao grave. Suas composições têm arranjos instrumentais de primeira linha; e letras elaboradas em alto nível. KATE é estrela distinta em espaço único, há décadas!
ENYA é mezo – soprano, tem voz agradável, melíflua, mas previsível. Encontrou mercado enorme em plateia ávida pelo esotérico, o misticismo, e os mistérios e religiosidades múltiplas e indefinidas, da modernidade.
ENYA está em cada esquina do mundo onde haja classe média; nos pequenos templos, nas lojas de incenso e velas, nas leituras de tarô, na imensa literatura da “gurulândia”; ofertas de autoajuda e conforto espiritual requisitados por esses tempos confusos. É a trilha sonora dos etéreos existenciais.
Seus arranjos instrumentais são mais simples. Simplistas, na maioria das vezes. ENYA é tecladista óbvia; e compositora talentosa de música e instrumentação “climática e viajante”, que emoldura o “multivocal” – este sim tecnicamente refinado – bem produzido e arranjado por NICK RYAN.
As músicas compostas por ela são realçadas por letras feitas por ROMA RYAN, poetisa e sua parceira, que escreve bem, diga-se; e baseadas no folclore ou mitologias; e, claro, compõe sobre temas existenciais como solidão, viagem, perdas pessoais, amor e sensibilidades variadas.
O resultado é poética acessível, “feminina” e eficaz.; há um certo sentimentalismo melancólico, que permeia todos os discos; e finca profundamente a impressão de que certas canções são quase orações, ou rituais religiosos. É o nítido o lado NEW AGE, que o trio assume sem pudor. E sabe como fazer.
Fiz maratona ouvindo ENYA PATRÍCIA para mais bem ressuscitá-la em mim, entendê-la “hoje”. Escuta-la é bastante agradável. Mas deve-se dar desconto ao excesso de açúcar, talvez mortal para “diabéticos musicais”, como eu – e certamente muitos por aqui…
A primeira vez que a escutei foi em 1988/89, no Long Play WATERMARK; que mantenho na discoteca. É o mais bem trabalhado, sofisticado e criativo feito por ENYA e parceiros. É dinâmico, variado, POP PROGRESSIVO misturando elementos do WORLD MUSIC; é música eletrônica com sintetizadores e toda a parafernália que passou a vigir – hummm!!! – à partir dos anos 1980.
A instrumentação é climática e expressionista; é muito bem cantado em gaélico, inglês e latim, e com dois hits arrasadores dançáveis e viajantes: ORINOCO FLOW e STORM IN AFRICA.
Há também a triste, “gregoriana” e exuberante “CURSUM PERFICIO” (traduzindo: Minha jornada termina aqui ), cantada em latim. A letra estava impressa sobre um ladrilho da última casa em que MARYLIN MONROE morou. Augúrio de morte; finitude.
A inspiração de ENYA vem do FOLK irlandês, celta, inglês, escocês…, mundo imenso de músicas, músicos, estilos e regionalismos, e que abarca as ilhas britânicas e se espalha até os Estados Unidos e os imigrantes que, para lá, foram. Movimenta grana imensa na indústria discográfica e cultural!
Há quantidade imensurável de artistas e discos produzidos; incontáveis fusões e imbricações, que vão da tradição ao FOLK- BLUES, ao FOLK – JAZZ, ao FOLK – PSICODÉLICO, abrindo para o ROCK PROGRESSIVO e o pós PUNK. É ambiente cultural riquíssimo. Postei a coletânea do CLANNAD, a “banda” da família”, por onde ENYA passou por uns tempos, no início dos anos 1980. Fazem um FOLK – POP, comercial e bem feito. Está no disco música famosa do grupo com BONO do U2, “IN A LIFETIME”, sucesso em 1985.
Ouvi todos os discos por ENYA gravados, inclusive via SPOTFY. Ela os lança com distância média de 7 anos entre um e outro. São o que se esperaria de ENYA: bem desenhados, profissionais, bem produzidos, musicalmente simplificados, bem cantados e… açucarados. Ahhh! são conceitualmente repetitivos. Como sempre, faixas com ela ao piano – uma instrumentista pouco inspirada. É NEW AGE na veia, e sem escalas.
Não são a minha praia. Mesmo assim, deixo ressuscitado o WATERMARK. Acreditem: vale a pena; é um grande disco!
POSTAGEM ORIGINAL: 23/07/2021
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