FLORBELA ESPANCA, DEPOIS DE UM BLUES…

Em volta de nós sempre habita o sofrimento, nosso vizinho perene, insistente. Infalível! Nisso a vida é democrática; pois sobra para todos: ricos, pobres, negros, brancos, e o quê mais houver. Basta estar vivo para perceber…
A ninguém é permitido existir sem compaixão, porque o sofrer nos iguala. E compreender o próximo como roto de alma talvez seja a conclusão sobre a vida que mais nos aproxime e revele. Humanos.
Começo desta forma, porque termino falando de FLORBELA – o filme.
Sobrevivi este sábado meio cansado; porque insone militante vi passar no cinema doido dentro da minha cabeça, a sucessão de flagelos que compõem meus pesadelos e medos recorrentes.
A madrugada é uma pantera fria e traiçoeira espreitando.
Tudo bem; nada que um café na padaria não ajudasse a recuperar a parte de mim ainda retida sob o “desanoitecer” rumo ao dia. Mas, fiquei em casa.
Aquela manhã não começou mal. Fui dar uma olhada em meus discos, companheiros eternos que mais bem explicam quem sou, e me resgatam dos escombros cotidianos.
Comecei com álbum raro de JIMMY WITHERSPOON, chamado ROOTS, 1962. Um cantor em estado da arte; gravação magnífica da ATLANTIC RECORDS, e que só os japoneses sabem recuperar. Ouçam; é BLUES essencial; recupera defunto e comove quem ouve – e também ajuda consertar o que houve – seja lá o quê…
É o tipo de obra que faz você compreender porque gente como ERIC CLAPTON, os STONES, e nossos ídolos em geral, gostavam tanto de BLUES.
Fui em frente, e escutei de MOSE ALLISON até a brasileira “CULT” ELIETE NEGREIROS; passei por SUN RA e os FOUR SEASONS; até ser emocionalmente defenestrado pela BANDA BANDALHA seminal dos 1960: THE SEEDS! – pra mim, estão entre o GARAGEM ROCK e o PUNK, e tanto faz a ordem! ROCK ALTERNATIVO é isto aqui!
Esbarrei, também, em dupla americana, chamada NEW WAVE, 1966; mescla inusitado conúbio entre o violão do LUIZ BONFÁ e SIMON & GARFUNKEL. E são acompanhados por craques tipo RON CARTER, CAROL KEYE, e MIKE POST, na guitarra – É! o famoso compositor de trilhas sonoras mesmo…
TIO SÉRGIO, como a banda do Zé Pretinho do JORGE BENJOR, mistura bumbo e violino feito um sarapatel sonoro meio indigesto – mesmo que estimulante. Aprendi a ser exigente com o máximo ecletismo e abertura possível.
Talvez?
Fiz tudo isso e ainda consegui ler a parte política dos jornais sem rir ou vomitar.
E liguei a televisão para assistir algum jogo de futebol, quando encalhei no TELECINE CULT, da NET. Passava filme chamado FLORBELA, dirigido por cineasta que eu não conhecia, VICENTE ALVES do Ó.
Ambientado em Portugal e interpretado por artistas portugueses, conta um momento de crise pessoal e criativa da POETISA FLORBELA ESPANCA, no final dos anos 1920.
É Magnífico!
O filme é um desfile de sutilezas emocionais, e resvala em questões como possível desejo incestuoso, e um quê recôndito de homossexualidade.
Tudo é tratado com elegância e refinamento num país que, ainda na década de 1970, era muito distante da Europa…
Nos é mostrado o PORTUGAL entre 1929/30, sob a ditadura quase medieval de Salazar. Um lugar reacionário, claustrofóbico, e tradicionalista em sua pior concepção…
Os atores estão nunca menos do que excelentes; e DALILA CARMO, que interpreta FLORBELA ESPANCA é perfeita. Transborda emoção, passa sentimentos e contradições nos dando ideia do que deve ser uma pessoa sensível e sofisticada, restringida por uma sociedade nostálgica, inculta, pequena, coalhada de preconceitos, e limitadora de talentos e comportamentos.
Ser mulher em Portugal, naqueles tempos, era barra pesadíssima. FLORBELA morreu em 1930, aos 36 anos, de tristeza e depressão.
E, finalmente, a língua e a linguagem.
Eu gosto demais! Acho precisa e bem resolvida, passando muito longe – por causa da época, inclusive – dessa sistemática destruição ( talvez criativa? ) do português que se fala, hoje, no Brasil.
É filme pra lá de recomendável. Com subsídios para discussões mil sobre todos nós que herdamos língua e jeitos dos portugueses.
E ainda bem que, hoje, PORTUGAL já faça parte da EUROPA!
POSTAGEM ORIGINAL: 18/07/2022
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