FRANÇOISE HARDY – E O ALEATÓRIO QUE NOS FASCINA!

Aventurar-se pelo mundo das coisas, pessoas e ideias é penetrar por veredas insondáveis. A lógica da procura está no decorrer da História que foi ou vai sendo tecida. E, para sermos realistas, na profusão de histórias que iniciam de um jeito e desembocam em outro; e podem requerer artifícios para serem seguidas, e nos levar a infinitas possibilidades que vamos descobrindo no caminho. E, também, às escolhas feitas pelos personagens, muitas vezes circunstanciais e aleatórias. É preciso observar mundos, e perscrutar pedaços de realidades para imaginar “verdades possíveis”.
A História real não se expressa em sequência; e nem é homogênea: pode ser montada do ponto de vista do observador – ou dos vários observadores. E se a verdade considerada científica é uma construção epistemológica, para as coisas mais cotidianas, da existência simples no dia a dia, pode ser a narrativa de cada observador. E isto cabe para artes em geral, e música principalmente….
Ou não?
Deste ponto de vista, tudo pode acontecer e a tudo cabem interpretações entre as muitas escolhas possíveis, mas não feitas; ou que simplesmente não rolaram. O papel do”SE” na História da Arte é intrigante!
Se com livros, discos e opiniões em mãos o percurso atrás de alguma explicação está sujeito a chuvas, furacões e trovoadas; é perfeitamente possível acabar compreendendo a vitória do simplismo; das FAKE NEWS; das repetições; das ideias fixas e do conservadorismo, em geral.
Observem que a maioria dos artistas que descobre uma fórmula de sucesso a repete até os ouvintes não aguentarem mais! Estão faltando BOWIES e CAETANOS. E sobrando elencos quase inteiros do ROCK IN RIO…
Tá bom, TIO SÉRGIO! Você é um TIGRE de BENGALA (ainda, não; ainda, não!) pensativo e falastrão. E o que tem a FRANCISQUINHA a ver com as tuas elocubrações de insano manso?
É mais ou menos o seguinte: como apaixonado por música, e reincidente contumaz; até há poucos meses eu garimpava coisas baratas nos “sites” INTERNET afora. E, caso não gostasse, eu descartava, trocava. O prejuízo era pequeno.
Mas, com a imposição do DÓLAR CURRA, juntado à EXTORSÃO FISCAL ABJETA e aos fretes ABUSIVOS; tudo considerado, as minhas finanças saíram feridas de morte. Então, movi-me retro; como todo mundo que compra de calcinhas a LONG PLAYS. Fiquei tão isolado da economia internacional, como todo o mercado brasileiro de importados… A gente não decola nunca por causa da insanidade fiscal e tributária…
Mas antes do estupro definitivo, descolei três discos da FRANÇOISE HARDY. Quando aportaram à minha … “porta”…, somando a indigestão total cada um custou cerca de $ 6,00 BIDENS, uns R$ 36,00 mandacarus. E mesmo sob o DÓLAR CURRA atual, custaram mais barato do que qualquer CD lançado no Brasil à época, e hoje em dia…
Então, vamos à parte legal da narrativa.
Lá no meio da foto, está o CD FRANÇOISE HARDY, gravado quando ela tinha tinha apenas 18 anos. É o primeirão da musa; um BEAT POP FRANCÊS mambembe. Mas traz o clássico “TOUS LES GARÇONS ET LES FILES”. Foi lançado em 1962 pela VOGUE, e vendeu 5 milhões de cópias no mundo inteiro!!! Um HIT de verdade!
Porém, FRANCISQUINHA não gostou do “rebento”, e relatou pra gente: – “Estou acompanhada pela pior banda do mundo! A minha voz era fina, a melodia simplista, e as letras inconsequentes. Eu fiquei satisfeita de ter feito, mas não orgulhosa”… Ela vendeu mais em dezoito meses, do que EDITH PIAF em dezoito anos!!!! Sacaram a ressaca da gata?
FRANCISQUINHA estudou Ciência Política e Literatura na SORBONNE, mas não concluiu os cursos. Viveu 1968 e suas consequências. Com o tempo, além do sucesso enorme, tornou-se modelo; e depois astróloga com vários livros publicados.
Na FRANÇA, ela era vista como tímida e tristonha. E nem tão bonita assim!!! Ofídios de plantão diziam que FRANÇOISE parecia um aspargo: “alta e magra demais”… Por lá, a turma preferia mesmo a SYLVIE VARTAN, que nasceu na Bulgária…
Mas quando ela atravessou o CANAL DA MANCHA, os ingleses deliraram! Sua imagem causou sensação! JAGGER teve um quase namorico correspondido – mas exigir o mínimo de compostura de MICK é impossível… E até DYLAN escreveu poema homenageando a felina francesa, na contracapa de “ANOTHER SIDE OF BOB DYLAN”… E BOWIE sempre foi apaixonado…
Dos três discos postados, o mais interessante e surpreendente é “MIDNIGHT BLUES” – PARIS LONDON 1968/1972. São dois LPs. originais que ressaltam o hiato em meio à produção habitual de FRANÇOISE: “ONE-NINE-SEVEN-ZERO”, de… ora, ora…, 1969; e FRANÇOISE HARDY, lançado em 1972, são totalmente cantados em Inglês. Há canções compostas por FRANÇOISE e seu parceiro na época, PIERRE TUBBS. E. também COVERS de LEONARD COHEN, BEVERLY MARTIN, BUFFY SAINTE-MARIE, RANDY NEWMAN, LEIBER & STOLLER e NEIL YOUNG.
Para mais bem compreender essa trajetória, surgiu em cena um acaso significativo: a profusão de grupos BEAT ingleses no mercado, lá por 1963/65, que expulsou vários deles para outros cantos.
E migrou para a ITÁLIA o “famoso” “NERO & THE GLADIATORS”, que logo depois foi parar na FRANÇA. E lá, parte formou a banda de SYLVIE VARTAN que abriu para os BEATLES no histórico show no OLYMPIA de PARIS, em 1964. Só isso…
O guitarrista era um certo MICKY JONES; que era e é CRAQUE. Ele ficou uns seis anos na FRANÇA, e gravou com SYLVIE, JOHNNY HALIDAY, e outros. Com FRANÇOISE HARDY fez sessões para o disco ONE NINE, SEVEN, ZERO, de 1969, realçando um BEAT/FOLK à THE BYRDS, SEARCHERS … e outras pitadas transferidas do ROCK PSICODÉLICO….
FRANÇOISE HARDY era precoce. E fascinada com a hipótese de expandir carreira na INGLATERRA, percebeu que havia uma revolução estética que poderia coadunar-se ao seu jeito algo ensimesmado de cantar, contido; FOLKISH, por que, não?
E, após “EN ANGLAIS”, 1968, o primeiro dela gravado por lá, FRANÇOISE fez JOE BOYD, o famoso produtor inglês, saber que ELA gostaria de gravar um disco inteiro de canções compostas por NICK DRAKE.
E lá foram BOYD e DRAKE encontrar-se com FRANÇOISE, em PARIS. Conta BOB STANLEY, músico e criador do grupo pop SAINT ETIENNE, hoje articulista da RECORD COLLECTOR, que se a francesinha era tímida, DRAKE era quase incomunicável. E nenhum falava a língua do outro. O clima frio congelou de vez, e o disco não rolou.
Mas, o fracasso a levou a gravar o “FRANÇOISE HARDY, 1972”, acompanhada por orquestra e banda formada por gente do FAIRPORT CONVENTION e do FOTHERINGAY. Durante a sessão, “quase todo o mundo musical de LONDRES”, apareceu para simplesmente ver, ou tentar gravar com aquele espécime humano magnético, exuberante!
E a história foi ficando mais saborosa. Entre os dois discos cantados em inglês, e enquanto a aventura britânica se fechava, FRANÇOISE gravou, em 1971, seu álbum mais famoso e bem sucedido: “LA QUESTION”, com a icônica guitarrista brasileira TUCA.
Ou seja, MADAME HARDY trocou a frieza dos compatriotas dos STONES… pelo quase ardor latino de toques bossanovistas. Ela se reinventou; se aconchegou. E tornou – se a inspiração para outras. Inclusive CARLA BRUNI, ex – primeira dama da França; excelente, sutil e “caliente” cantora ítalo francesa. FRANÇOISE permaneceu COOL; e bem longe da concupiscência que CARLA inspira e derrama…
FRANÇOISE HARDY tentou bastante entrar no mercado inglês, mas sem grande sucesso. Mesmo assim, a “paixão atávica”por lá despertou; e levou, na década de 1990, grupos como o BLUR e os PET SHOP BOYS a gravarem com ela SINGLES de muito sucesso.
Fecho essa narrativa torta, cheia de altos e baixos feito montanha russa, que vai do BEAT INGLÊS, deságua na FRANÇA, vai até os BEATLES no OLYMPIA, volta para uma francesa que gostava de NICK DRAKE, mas que retorna ao calor latino. Mas sempre perto da contemporaneidade.
E recordo outro herói recôndito e “ziguezagueante”: MICKY JONES, que ajudou a atualizar o POP ROCK FRANCÊS, e voltou para a INGLATERRA; entrou para o SPOOKY TOOTH, passou por incontáveis, e fundou o FOREIGNER, em 1976, onde fez fama, fortuna e lá permanece.
Se alguém acha que isso tudo faz sentido, é porque enxerga razões objetivas na aventura humana pela vida fragmentada que todos vivemos.
Viver é tentar compor acasos aleatórios esparsos e soltos pelaí…
Foi o que tentei!
POSTAGEM ORIGINAL:21/09/2024
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