Se você quiser construir uma casa, é bom pensar o projeto desde o início.
Supondo-se que já exista o terreno e uma certa grana disponível, a próxima atitude é “ESBOÇAR” o que pretende. Ter ideia básica de tamanho e funcionalidades.
Em seguida, contrate um arquiteto para refinar o projeto, torna-lo o mais exato possível à sua necessidade, beleza e intenção. Com isso, “o espírito da tua vontade ” toma a sua primeira materialidade formal. Mas antes de pôr mãos à obra, há um terceiro passo imprescindível: a elaboração de um PROJETO EXECUTIVO, onde tudo estará definido: os roteiros, etapas, prazos, custos, etc.
Agora, observe as semelhanças com a COMPOSIÇÃO MUSICAL ESCRITA. Principalmente na MÚSICA CLÁSSICA, por aqui conhecida como ERUDITA.
O COMPOSITOR tem uma ideia, desenvolve e sugere a melodia. Em seguida, vai escrevendo a PARTITURA, onde constam o ritmo, o andamento, harmonias… Estabelece no curso desta CONSTRUÇÃO outros elementos constituintes que procuram expressar o que ele esboçou.
A PARTITURA É O PROJETO EXECUTIVO DA MÚSICA!
O local onde as orientações para a execução da obra estarão definidas. É o parâmetro para a SENSIBILIDADE de cada músico, e a correta regência do maestro realizarem a intenção do COMPOSITOR.
Se na MÚSICA ESCRITA é possível orientar para que não se improvise, na vida e na arte nem sempre é possível, necessário, ou até desejável que isto ocorra. O acaso e a criatividade contam e também constroem.
Dia desses, comprei CDS na lojinha do SESC de São Paulo. Um deles deixou-me fascinado! “PIANO PRESENTE”, 2013, da exímia pianista, pesquisadora e professora JOANA HOLANDA; é obra de ousadia exata e planejada.
O PIANO é a maior invenção musical da humanidade, leio na apresentação do álbum. É instrumento de incontáveis recursos. Nele, é possível “reproduzir tudo”; o que o torna ideal para criar composições, ajustar ideias, e até conceber iconoclastias várias.
O PIANO É UMA ORQUESTRA EM SI MESMO.
JOANA neste seu único disco – pelo que sei – grava composições de NOVE autores da vanguarda musical CLÁSSICA CONTEMPORÂNEA brasileira ( vá lá, ERUDITA, como se prefere no Brasil ) abrindo mentes e possibilidades para um gênero difícil, pouco divulgado e necessariamente elitista – ao menos em um primeiro momento….
JOANA HOLANDA expõe o trabalho deles como foram escritos, e nos faz perceber as dificuldades técnicas impostas por cada uma das obras escolhidas. Os COMPOSITORES são todos professores universitários de música, renomados em suas respectivas cátedras, e atuantes em sala de aula e recitais.
É instigante perceber, em cada uma das obras, as linhas que as compõe, os impasses em que chegam, e as soluções encontradas. Todas pensadas para fugir de algum desfecho óbvio, vez por outra parecendo inevitáveis.
Um dos papéis da ESCRITA MUSICAL é controlar os impasses, exibir soluções; portanto, procurar não perder o artístico que sempre se reivindica. E ajudar a encontrar o diferente, mesmo quando “NÃO NOVO” – se me expressei de maneira inteligível.
Quanto à intérprete, é pianista estudiosa, competente e dedicada à música ERUDITA DE VANGUARDA CONTEMPORÂNEA brasileira. JOANA literalmente estuda e dedilha o instrumento buscando expressar o inédito, com seus detalhes e armadilhas; é difícil. É como recriar, e não apenas armar um quebra-cabeças. Encaixando as peças adequadamente com fluidez, ritmo; e, muito importante, naturalidade. É preciso ser craque para transmutar o lido e pensado na PARTITURA em espontaneidade artisticamente reconhecida.
JOANA HOLANDA pertence ao universo de outras duas professoras brasileiras fundamentais: JOCY DE OLIVEIRA, a pioneira no BRASIL da música ELETROACÚSTICA. E MARISA REZENDE, pianista e compositora CLÁSSICA DE VANGUARDA, também representada nesse disco, e com extensa obra escrita e gravada.
Realizar esse trabalho imenso requer apoio. Compor e dedicar-se à MÚSICA DE VANGUARDA, ou a qualquer outra ARTE DE PONTA, é atividade com riscos de mercado evidentes. E só pode ser realizada se houver incentivos e subvenções oficiais, de INSTITUIÇÕES NÃO GOVERNAMENTAIS, como o SESC. Ou de a gatos pardos dedicados ao mecenato.
É também, necessariamente, permeada pelo mérito. Mas, é preciso descobrir os talentosos ou esforçados nas escolas e ambientes propícios. Portanto, é imprescindível incentivar, desenvolver e financiar uma certa postura de iconoclastia consciente para atingir outro nível de criatividade.
Criar arte do futuro exige um sentido de cidadania que hoje, no BRASIL, está em falta
E isso nos leva à hipótese de que A MÚSICA CLÁSSICA CONTEMPORÂNEA seja a antítese da IMPROVISAÇÃO JAZÍSTICA.
Ambas são plenas de criatividade. Porém, a atitude frente o piano, é fundamental.
JOANA HOLANDA, obviamente não é e nem pretende ser KEITH JARRETT, CHICK COREA ou HERBIE HANCOCK. Mas na coletânea PIANO 1 estão outros pianistas também chegados ao JAZZ FUSION, e de criatividade variada:
Temos o consagrado RYUICHI SAKAMOTO, que trabalhou de TOM JOBIM a DAVID SYLVIAN, passando por outros mundos. EDDIE JOBSON, conhecido pela turma do ROCK também como violinista; esteve com o CURVED AIR e o ROXY MUSIC;
E JOACHIM KUHN, um craque alemão com vários discos gravados para ECM; aqui fazendo versão criativa da “internacional-brega” “FEELINGS”.
Ah, a versão dele ficou bem legal!
Então, deem uma chance à Professora JOANA e seus múltiplos conhecimentos. Vocês não se arrependerão!
POSTAGEM ORIGINAL: 22/07/2022
POSTAGEM ORIGINAL: 22/07/2022
