O PRIMEIRO TIME DA M.P.B. E A LINGUA PORTUGUESA

Permitam-me um pequeno ensaio sem ter ensaiado o suficiente para escrevê-lo. (Ehhh, tio Sérgio! Já começou dizendo bobagens…)
Não tenho conhecimento ou fiz reflexão suficiente para entrar no cosmo individual de um cada desses artistas explêndidos.
E nego que os discos aqui postados estejam, cada um por si, na cogitação do que pretendo dizer.
O papo é outro, mas oblíquo…
Estou encafifado pelo que, há décadas, parece-me injustiça histórica.
A minha geração, os que naceram no início dos anos 1950, penso que observou os estertores de uma visão de Brasil, que oscilava entre o indulgente e o profundamente preconceituoso.
Um Brasil que não se revelava em sua completude a seus habitantes; e, principalmente, à sua elite.
A sociedade brasileira requer análise mais profunda por parte dos que sobre ela pensam.
A minha constatação é que os grandes compositores e letristas brasileiros já deixaram no passado a ideia de uma língua “INCULTA”… Há muito trabalham a beleza sofisticada que nela habita.
A nossa melhor música é conhecida pela qualidade de sua lírica; as letras que dão substância às canções.
OLAVO BILAC escreveu um poema chamado “LÍNGUA PORTUGUESA”, famoso pelo verso inicial “ÚLTIMA FLOR DO LÁCIO, INCULTA E BELA…”
Pois, bem. A intenção de BILAC era uma defesa sentimental-nacionalista da beleza de uma língua ainda supostamente rude. A última entre as línguas latinas criadas a partir do LATIM vulgar, e falada no extremo oeste da Europa… oooopsss: em PORTUGAL, mesmo…
E, de lá, espalhou-se para o BRASIL e a comunidade de países que falam o português.
Se um dia o PORTUGUÊS fora rude e inculto, a partir de CAMÕES e os LUSÍADAS, consolidou-se como língua sofisticada e cheia de recursos.
Lembro-me de um dos grandes professores que tive na FFLCH da USP: José Jeremias de Oliveira Filho. O mestre lecionava LÓGICA e FILOSOFIA DA CIÊNCIA ( não lembro ao certo se o nome das matérias era esse mesmo ).
Certa aula, Jeremias explicou que ao verter um texto complexo, filosofia, por exemplo, do alemão para o português, os recursos da nossa língua permitiam que o texto original se revelasse intacto, do começo ao final, depois de traduzido. O sentido não se perde.
Então, questiono: INCULTA , mesmo que BELA?
Não. Está nítido!
Já em meados dos anos 1990, na CITY RECORDS, uma das lojas de CDS que tive, eu me recordo de duas garotas americanas que iam lá de vez em quando. Elas faziam doutorado em língua e literatura brasileira, na USP. Falavam um ótimo português, e já estavam pra lá de ambientadas com o esculacho tropical pátrio.
Uma delas, ouvindo um CD do CHICO BUARQUE, comentou que o português era a “língua” detentora da mais “perfeita linguagem” sobre o amor que ela conhecia!
O CHICO concordaria, certamente!
TOM JOBIM, CAETANO VELOSO, GILBERTO GIL e CHICO BUARQUE escrevem magnifica e criativamente bem! Todos eles. Não houve revolução, ou moda, que os tirasse do pódio como os quatro maiores entre tantos excelentes!
Depois que BOB DYLAN recebeu o NOBEL DE LITERATURA; e de GERALDO CARNEIRO, poeta e letrista de músicas ( para EGBERTO GISMONTI, por exemplo ) ter sido eleito para ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS, hoje se fala da pertinência de poetas-letristas assumirem cada vez mais a honraria!
Eu concordo plenamente. E dou meu pitaco:
Continuo sobre CHICO. Além das exuberantes canções de amor, e de sua luta intelectual e militante contra a ditadura militar, BUARQUE é arquiteto de letras ultra complexas do ponto de vista poético e de linguagem!
Observem CONSTRUÇÃO, que justaposta a DEUS LHE PAGUE é, para mim, o melhor compósito entre MPB-ROCK PROGRESSIVO -PSICODELIA já feito na MPB!
A orquestração de ROGÉRIO DUPRAT tem ecos claustrofóbicos pertinentes à letra; e, sutilmente, lembra o clima de certas músicas da banda americana SPIRIT, nos anos 1960. É vanguarda pura para 1971!
Somando discos de musicalidade e temas autenticamente brasileiros, aos livros bem escritos e aceitos que lançou; e sempre evidenciando a beleza poética em tudo o que compõe, CHICO BUARQUE é o meu candidato à próxima vaga na ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS.
De certa maneira, TOM, GIL E CAETANO são pontes entre a música brasileira e o POP INTERNACIONAL.
TOM JOBIM, claro, é um dos estruturadores da BOSSA NOVA, e mais afeito ao JAZZ, ao LOUNGE e ao “FALSO EASY LISTENING”. É o mais internacionalizado entre os músicos brasileiros.
Ele foi vítima de versões infantilizadas de suas letras, ou simplificadas de suas músicas, mas soube desfrutar do que lhe trouxe o lado bom da exposição que teve.
GILBERTO GIL, que já chegou à A.B.L. , também pertence ao lado internacionalizado do POP brasileiro. Sempre fez um crossover criativo, que jamais deixou de ser brasileiro, mas é perfeitamente compreensível e absorvido pela linguagem musical internacional.
GIL sempre flertou com sons caribenhos. Afinal, do MÉXICO ao RIO GRANDE DO NORTE, descendo até a BAHIA, são todos “vizinhos” musicais.
A música de GIL propõe, e realiza, uma uma evolução para além do REGGAE e demais sonoridades latinas mais conhecidas. E é orientada por um vasto colorido de ritmos e brasilidades, que dialogam com os latino americanos, mas deles se destacam.
GIL, é letrista exímio, e um estilista da PANBRASILIDADE RITMICA. ( Seria? )
O que nos traz a CAETANO VELOSO. O mais eclético, antenado e vanguardista entre os compositores brasileiros. CAETANO é o sintetizador de um vasto arco anárquico, que vai da música brasileira mais tradicional, passa pela revolução feita por JOÃO GILBERTO; e palmilha cada passo da música brasileira atual, usando recursos de vanguarda; instila gotas ácidas de jazz; e ronda o rock alternativo.
Ele é, também, um estudioso da música de seu tempo, como um DAVID BOWIE intelectualizado, ou um MILES DAVIS mais contido. Bagunçou até a música latina tradicional, com arranjos inesperados para clássicos até bregas.
VELOSO discutiu tudo e com todos; escreveu livros e ensaios. Faz letras e poesia explêndidas. E é um dos preferidos pelo professor PASCOALE, o mestre pop da língua portuguesa, para fisgar, em suas letras, exemplos cultos da aplicação gramatical.
Se BOB DYLAN chegou ao NOBEL, CAETANO também poderia e com méritos semelhantes.
Por escrever em português, CAETANO VELOSO pode ter um atrativo diferente.
Ele criou e lançou uma profusão de discos bem recebidos por público e crítica. Além das poesias escritas, musicadas ou não, que poderiam perfeitamente ser traduzidas para um público maior.
CAETANO VELOSO canta muitíssimo melhor do que BOB DYLAN. É um mestre refinado da língua portuguesa, e meu candidato ao prêmio NOBEL DE LITERATURA.
Então, vamos “caetanear o que há de bom”!
POSTAGEM ORIGINAL: 04/09/2021
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