Uns dez anos atrás, eu estava no centro de São Paulo, na região da Rua Santa Efigênia, procurando alguma coisa relacionada a som ou eletricidade, não lembro direito.
Lá, é o reduto e a meca para esse tipo de coisas – e outras mais… Sempre coalhada de gente de todo tipo, em tempos normais abria possibilidades para o rico, o pobre e os próximos à indigência sobreviverem. Um capitalismo vibrante, oscilando entre a corrupção e o contrabando, e a oportunidade real.
De repente, dou de cara com um garoto de uns 16 anos, elegante, fazendo “performance” na rua, meio arriscando RAP, meio HIP-HOP, tentando vender pilhas, capas de celulares, essas coisas de utilidade clara e sempre abundantes em quaisquer cidades do mundo.
Eu estava indo com um amigo para o BAR LEO, boteco caro e CULT de SAMPA, incrustado entre a área comercial e os redutos de prostituição, ainda hoje abundantes por lá.
O garoto me impressionou. Observei um pouco, cheguei perto dele e disse: “Menino, por que você não se transforma em M.C.? Tô vendo talento aí”!
Acreditem, raramente vi alguém tão radiante com qualquer observação ou palavra de incentivo que eu tivesse dito!
O garoto só faltou me beijar!!!
Vejam só; Juntou-se o incentivo a uma incerta tendência clara e paixão de um jovem à procura de hipóteses na vida. Espero que ele tenha tentado, e talvez conseguido.
Eu não gosto de RAP ( RHYTHM AND POETRY – ahhh, não preciso traduzir… ) e não ligo para o HIP-HOP, seu complemento físico e teatral, a dança que o embala, e com ele forma um compósito cultural abrangente, contestatório, jovial e relevante.
Eu me recordo que, em meados da década de 1990, havia um cliente da CITY RECORDS, uma das minhas lojas, que dirigia um dos sindicatos patronais sediados na FIESP, e ficava quase ao lado da loja,, na Avenida Paulista.
Era um senhor que sempre perguntava se tínhamos discos de RAP – e sempre havia. Um dia, disse para ele que não era comum alguém do tipo dele pedir esse tipo de música.
Ele respondeu: “é por que você não sabe como os meus empregados gostam! E eu aprendi a gostar, também. Então, compro e dou de presente…”
Na mesma época, MARTA SUPLICY disputava a PREFEITURA DE SAMPA, e ganhou. Durante a campanha, ela falava demais na “CULTURA HIP-HOP”. Como política perspicaz, sacou o que rolava de verdade, e onde o eleitor jovem podia ser conquistado. Faz mais de 25 anos… Então, é tendência e história cristalizada.
Assistindo aos shows do ROCK IN RIO, vislumbrei vereda esclarecedora. Assisti aos M.Cs e aos D.Js.
São totalmente diferentes; acho que o inverso um do outro, do ponto de vista sociológico e de influência sobre seus públicos.
Vou teorizar ( meu Buddah, me proteja!!!! )
D.Js. trabalham em duas funções e perspectivas diferentes:
quando em estúdio, realmente podem recriar qualquer música sob outra perspectiva, acrescentando, mixando, fazendo novas versões de um hit qualquer. São quase produtores alternativos.
É fascinante como a mesma “música base” se transforma em coisas diferente. O que explica a explosão havida nos últimos talvez 35 anos. BJORK, por exemplo, é “multifacetada” por diversos D.Js, que ampliam sua música única para outras galáxias…
E serve para todo mundo, SEAL, AMY WINEHOUSE… escolham..
Em frente a uma RAVE ou a um grande salão de baile; ou como criador de música própria, o D.J. mixa e coordena o repertório dele e de outros, dá o tom, detecta o clima e o administra.
O curioso, é que a maioria do repertório estabelecido visa o indivíduo e sua dança solitária. A música eletrônica, sempre tocada muito alto, de certa forma impõe a atomização, e não a intercomunicação entre os indivíduos para dançarem juntos e mais intimamente.
No festival, todos dançavam de frente voltados para o D.J. ALOK, por exemplo. E havia nada para ser visto no palco… A não ser tecnologia cara, portanto mais restrita para quem quiser tentar a sorte na profissão.
MCs., ao contrário, visam a comunidade. Falam, dizem suas “poesias e rimas” para um público presente, que dança mais coletivamente, curte e absorve o que ele diz. M.Cs. fazem músicas que ultrapassam o dançar; falam de fatos e relacionamentos; são, também, transmissores de ideologias, e visões de mundo.
O M.C. XAMÃ, que também se apresentou , disse que tomou gosto pela poesia e a rima nas aulas de português que teve na escola. É emblemático: uma das características da boa MPB é o cultivo da palavra. Portanto, nada mais pedagógico do que tentar incentivar o estudo e o desenvolvimento pessoal dos alunos utilizando a arte e sua tecnologia comparativamente mais barata, para ensinar. Faz todo sentido…
Os RACIONAIS MCs são fenômeno artístico-social indiscutível. Assisti a performance deles. São nitidamente veiculadores de consciência. Enquanto grupo eles se impõem, são respeitados e respeitáveis. Não estão simplesmente para brincar. E o público sabe disso, apoia e vai lá por causa da identificação com a mensagem e as vivências.
Os RACIONAIS incomodam. A teatralidade da performance deles, calcada na vida das periferias pobres da cidade de SÃO PAULO, é pesada, intimidadora, violenta. E deixa claro os descontentamentos, os problemas reais que os mais pobres sofrem.
Assisti-los é respeita-los. Porque criadores de linguagem contrastante com a normalidade que as classes mais integradas e privilegiadas cultivam.
A vida dos mais pobres consegue ser expressada pelos RAPPERS, e identificada por seus fãs; porque na sociedade foi desenvolvida linguagem falada muito própria, criativa, inesperada, e talhada verdadeiramente a partir das condições objetivas de vida deles.
Artistas populares e seus admiradores autênticos compartilham de linguagem comum. Com a turma do RAP e do FUNK isto fica muito claro.
Talvez?
Mas, TIO SÉRGIO, WHAT PORRA IT´S THAT AÍ NAS FOTOS?
Tá bom, tá bom! Confesso que me desfiz de alguns discos que hoje fizeram falta para escrever com mais consistência.
Eu tive o primeiro disco do D.J.SHADOW, cuja capa simbolizava como ele criava a sua arte. É a foto ultra expressiva de uma loja de discos de vinis.
Sumiu! E ninguém sabe e ninguém viu…
Outro que tive e gostava era o CD do RAPPER francês GURU. Ultra interessante, e gravado na BLUE NOTE. Era ACID JAZZ de primeira linha. A sofisticação maior a que havia chegado o RAP.
Mas, como sempre, era falatório desabrido, monocórdico, em flagrante contraste com a base instrumental magnífica.
Cadê?
Eu vi o disquinho no ponto de ônibus perto de minha casa, quando morava em SAMPA. Acho que a condução passou e ele tomou…
Esses que estão na foto são R&B de várias “gestações”. E tem algum RAP incluído. Inclusive GIL SCOTT-HERON & BRIAN JACKSON que, muitos argumentam, já faziam RAP antes de virar moda.
E se o TIO SÉRGIO postou pode confiar. São todos muito bons!!!!
POSTAGEM ORIGINAL: 04/09/2022

POSTAGEM ORIGINAL: 04/09/2022
