Ao contrário do FREE JAZZ, de ORNETTE COLEMAN, onde a liberdade para improvisar era total, a proposta AVANT GARDE de SUN RA é uma construção/desconstrução ativa, mesmo que não-programada, de uma obra musical que requer disciplina, técnica e sensibilidade.
SUN RA é um arquiteto do caos sonoro inteligível. Ele intervinha nas gravações trocando músicos durante a execução dos trechos. Dava o tom, a ideia, e se não gostasse do som de um trombone, digamos, fazia o trompetista, por exemplo, executar aquela parte do jeito que quisesse.
Se RA concordasse, ia juntando, gravando tudo de acordo com a sua percepção e gosto.
SUN RA acrescentava ou retirava instrumentos, ideias, frases; e o resultado é uma colagem sonora com liberdade vigiada, livre ‘ma, non tropo”.
Fica estranho, mas é coeso e musicalmente instigante. A metáfora que me ocorre, é consertar o motor do avião em pleno voo…
SUN RA subverteu e rompeu a ideia inicial do FREE JAZZ, e está nas raízes da FUSION, e DO ROCK PROGRESSIVO; e é o precursor “AFRO-FUTURISMO” jazístico. SUN RA é espécie de compositor, arranjador, maestro maluco, que dirige sua orquestra ao sabor de si mesmo.
Diferentemente do FREE JAZZ, onde cada um tocava sua parte sem a censura de outros, nos discos dele o comandante supremo é SUN RA. Ele é o diretor de obras do caos. Não sabia onde queria chegar, mas chegava prospectando, caminhando, perscrutando, tocando, construindo, destruindo, mudando a música.
Depois de gravada, claro, restava a música composta: original, intuitiva, provavelmente não repetível, mas obra “organizada”, porque “petrificada” em disco.
Se o FREE JAZZ é obra coletiva, o AVANT – GARDE parece um produto individual: o conceito é do artista.
A história da música popular é um caminho tortuoso, desruptivo, e, ao mesmo tempo, previsível. Muita coisa díspar convive ao mesmo tempo.
Para muitos, o ápice da sofisticação na música popular foi a GRANDE CANÇÃO AMERICANA, de GERSHWIN, COLE PORTER…, na voz de ELLA, BILLIE, SINATRA, entre vários. E a BOSSA NOVA talvez tenha sido o último ato da grandeza musical “tradicional conservadora”. E tudo isto culminando no final dos anos 1950 do século passado!
No mesmo espaço/tempo, o R&B e o ROCK AND ROLL comiam solto feito por incontáveis grupos de DOO-WOP, ELVIS PRESLEY e contemporâneos.
E nem vou citar as experiências radicais na MÚSICA CLÁSSICA contemporânea – como a MÚSICA ELETROACÚSTICA – também em curso subvertendo o gosto tradicional, e acrescentando mais elementos de ruptura fundamental.
Talvez a década de 1950 tenha sido o período histórico onde ocorreram as mais significativas erupções e terremotos estéticos.
SUN RA não existiria sem este amplo painel, composto por contradições procurando sínteses e saltos à frente.
A entropia foi o FREE JAZZ, sucedido por uma quase-reorganização da vanguarda com o AVANT-GARDE. Ao mesmo tempo, vieram os BEATLES e os formatos tradicionais simplificados tomaram a cena novamente.
Até que…
