Os que estão mortos há muito tempo vão sumindo da visão que a memória preserva, esbranquiçando-se como se retornados à placenta – para antes de terem nascido. Tornam-se miragens resguardadas por um líquido que as transparecem, trêmulas, e cada vez mais sem detalhes. “Os mortos são ingratos, eles não nos abandonam “- escreveu o Fabrício Carpinejar, poeta contemporâneo, atuante e atual. Os mortos nos são gratos, nós não os abandonamos…sabemos todos que permanecem.
O Garini foi jornalista conhecido em São Paulo, homem vivido, culto e autodidata. Militou na imprensa do final dos anos 1940, eu acho, até o final dos setenta – tenho certeza. Era enérgico, leitor contumaz e boêmio assumido. Gostava da noite e, como alguns de nós, tinha atração intelectual pelo “wild side”, pela periferia, a vida dura dos humilhados e ofendidos, e a malandragem, que retratou em crônicas de jornal, na Última Hora, nos anos 50 e parte dos 60.
GARINI Cobriu a polícia, foi editor de jornalismo em rádio, principalmente. Era amigo do Jô Soares, do Ignácio de Loyola Brandão, do escritor João Antonio. E orientou o início de carreira do Fausto Silva e do Wanderley Nogueira, entre tantos outros. Foi se recriando como um dos cronistas radiofônicos mais escutados na cidade. E acabou nome de rua habitável no Jardim Imperador, em São Mateus, zona leste de São Paulo.
Tinha humor explícito, inteligente e mordaz. Tratava a mim e ao meu primo Betão como “Analfasérgio” e “Analfabeto”. Faz tempo, estava coberto de razão. Começou a ficar surdo; os irmãos alertaram e ele respondeu: “melhor; assim eu não preciso ouvir besteiras”. Um dia eu e o Betão “nos oferecemos” para sair com ele nas baladas da época. Pirralhos pentelhos e roqueiros que éramos, insistimos. A resposta: -“vocês têm grana para acompanhar?” – Quanto, Tonico? – “Sei, lá. Eu vou ao Gigetto encontrar uns amigos para jantar, e pedir um rabo de galo para começar: Vodca Wiborova com Carpano Punte e Més, italiano. “Ceis encaram?” – Não. Éramos um pouco mais que indigentes, com alguns trocados para tomar cerveja e olhe lá. Sem falar que menores de idade. ´
Cada macaco ficou em seu galho. O do Garini era bem mais em cima, na árvore.
Ele morreu relativamente cedo, em 1979, se não me engano. Tinha perto de 60 anos. Um câncer da pesada o abateu em pouco tempo. Quem cuidou dele, e da melhor forma possível, foi o Dr. Dráuzio Varella. Sua morte repercutiu. Sua arte ficou num livro de crônicas de rádio muito ouvidas, que ele escrevia diariamente, e o tema sempre era a cidade de São Paulo. Vendeu bem, naquele momento. Mas, o livro não refletiu quem ele era e o quanto ele sabia.
Fui honrado pela herança da boa biblioteca que deixou. Conservo muita coisa, e aprendi outras diversas zelando por patrimônio eclético e interessante.
Tudo considerado, provavelmente como a maioria de nós será, certp dia o TONICO foi parado pela blitz que o corpo promove. E, como a maioria de nós, quem sabe, achou que saiu antes do tempo regulamentar.
No entanto, como poucos de nós fez muito mais do que achou que tinha feito. Ele permanece em mim.
postagem original 22/02/2015