TIO SÉRGIO E AS MEMÓRIAS DO “GÓRPE!” DE 1964

Em 31 de março de 1964, eu estava recebendo aula de piano da PROFESSORA LYDIA.

Excelente mestra, senhora conservadora e recatada, e não só do lar: lecionava para meninos e meninas que pudessem pagar e aprender.

Eu não podia pagar. Eram tempos dificílimos para os meus pais, e muita, muita gente mesmo. Algum tempo depois, desisti das aulas…que tentei retomar uns 38 anos atrás.

Porém, a minha falta de determinação e pouco tempo disponível boicotaram a iniciativa…A música me persegue e fascina. Mas, tocar um instrumento, ou cantar, não fazem parte da coreografia da minha “ópera” existencial….

Em 1964, eu tinha onze anos de idade. E ideia nenhuma do que seria a política, a vida, e essas coisas todas que vieram quando tornei-me adolescente. A POLÍTICA nunca mais deixou de ser preocupação cotidiana: Eu vivo intensamente a movimentação, transformação, e aflições decorrentes. Estou sempre discutindo, opinando e propondo com amigos, adversários e até gente que não gosta de mim…

Na antevéspera do GOLPE, recordo muito bem o clima de tensão nas pessoas, rádios e televisões, com o movimento de tropas e a iminência de algo já esperado…

Ansiedades sibilavam no ar feito serpentes.

Na minha família, que oscilava entre a classe média e a média baixa, a maioria estava a favor do golpe, pelo que depreendi algum tempo adiante.

A inflação, instabilidade e nenhum diálogo político preenchiam o vácuo de poder existente no governo JANGO – resultado da fracassada tentativa de auto golpe do ex-presidente JANIO QUADROS, um palhaço sinistro, despreparado e autoritário…

Meus pais trabalhavam muito e lutavam para sobreviver na fronteira da pobreza. Eu suponho que não tivessem opinião formada sobre aquilo tudo…

Certamente queriam estabilidade, emprego e inflação controlada – algo fora de foco naqueles tempos doentios, mas interessantes.

A exceção visível, dentro da minha família, era o TIO TONICO, Antonio Garini, jornalista que teve seu destaque do final dos anos 1950, até os 1970.

TONICO foi dos primeiros que orientaram e despertaram o meu interesse em política, uns quatro anos depois do golpe. Ele era de esquerda, autodidata, lia muito, e também fazia traduções. Era interessado em assuntos culturais. Principalmente literatura.

Os INTELECTUAIS NÃO ACADÊMICOS foram personagens atuantes dos anos 1920 até meados da década de 1970. Depois, foram ultrapassados pelo conhecimento legitimado pelas universidades. No entanto, o jargão acadêmico e metalinguagens, por princípio e necessidade, são não-jornalísticos. Se ampliam perspectivas para o conhecimento, simultaneamente restringem acesso a público maior.

As resenhas de livros, artes e discos, feitas por não acadêmicos que sabem sobre o quê escrevem, são mais gostosas e interessantes de ler. Prenhes de humanismos e opiniões enriquecedoras.

O acesso à cultura geral pelos grandes jornais era muito possível, aos alfabetizados interessados, até o final dos anos 1970. Eu e meus amigos SILVIO DEAN e NAIEFF HAIDAR éramos leitores costumazes da caudalosa EDIÇÃO DE DOMINGO do ESTADÃO. Formou a base humanista que nós jamais renunciamos.

Agora, volto ao rugido dos leões cutucados com a vara curta: os militares – sempre assediados pelas elites e a classe média de direita. A sanha golpista não começou com BOLSONARO. Ela é falha geológica na cultura e no “caráter” político brasileiro.

Entre 1961 e 1964, todas as tendências políticas tinham os seus planos de golpe. Da extrema esquerda à extrema direita, todos pregavam insurgências.

Até que os militares deram o esperado golpe; e acabaram com a democracia, defenestraram os liberais, e reprimiram a esquerda. E destruíram as INSTITUIÇÕES POLÍTICAS, com reflexos até o presente…

O golpe não era necessário. Haveria eleição presidencial em outubro de 1965. Os candidatos que lideravam a disputa eram JUSCELINO KUBISTCHEK e CARLOS LACERDA, direita notória!

E a desculpa de que os COMUNISTAS tomariam o poder não se sustentava. Nas eleições anteriores, o P.C.B jamais ultrapassara 3% dos votos!

E poderia ter sido evitado se personagens como ROBERTO CAMPOS e CELSO FURTADO, por exemplo, intelectuais bem preparados, mantivessem enfrentamentos pelos jornais, e mídias em geral. Na FRANÇA, RAYMOND ARON e SARTRE polemizaram pelas vias institucionais o tempo inteiro. E essa válvula de escape, via fala e escrita, reduz sim, as tensões mantendo o diálogo e os desacordos políticos nas vistas do público.

Sempre pensei sobre isso.

Nos tempos de JOÃO GOULART, personagem politicamente inábil e sem legitimidade, as coisas estavam difíceis. E continuaram durante os primeiros três anos do novo regime.

Depois, estabilizada a economia, iniciou-se período de crescimento que foi até o final da ditadura Medice, em 1973.

Nossa família e muitas e muitas outras aproveitaram esse momento para equilibrarem-se e continuar em frente.

A eficiência econômica passou a ser perseguida; houve progresso e empregos. O Brasil estava sendo modernizado.

Já a política, a evolução institucional e os direitos humanos, tiveram retrocessos que sentimos até hoje!

Em 1967, dei de cara com a ditadura meio sem querer.

Eu estudava em uma escola estadual à noite, e as instalações não eram das melhores. Comentei com o GARINI, que perguntou se eu daria uma entrevista para a televisão onde ele trabalhava, acho que a RECORD. Não tive dúvidas e fiz. Apareci na TV.

De noite, fui chamado à diretoria da escola, repreendido e até sutilmente ameaçado. Lá, também estava um colega de classe, bem mais velho, ao lado do diretor.

Bidú! O cara era informante da ditadura. Sim, sempre existiram, e não só nas UNIVERSIDADES. A coisa deu em nada, mas eu amadureci. E passei me interessar por política.

Mas, essa é outra história, que uma hora eu conto melhor…
POSTAGEM ORIGINAL 31/03/2022

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