No início dos anos 1980, SEO JOÃO era meu cliente. Velho amável e constantemente bêbado, morava em casa simples e grande na Freguesia do Ó, em São Paulo. E alugava uma outra pequena aos fundos da sua, para aumentar a renda de aposentado.
Um dia, JOÃO morreu. O imóvel foi colocado à venda e o vendemos com certa rapidez.
E aí as surpresas foram aparecendo. SEO JOÃO tinha dois filhos e duas filhas. Todos casados. Os dois homens, pessoas talentosíssimas, e antípodas perfeitos!
O mais velho, também JOÃO, bom escritor de relativa fama, com vários livros publicados, e textos e artigos em jornais de esquerda, na época da ditadura e até algum tempo atrás.
Gay assumido e militante, casado com jornalista e professor universitário, que foi critico de cinema bem famoso.
O outro filho, ANTONINHO, contador extremamente competente de empresa multinacional de consultoria, começava carreira que o levou ao topo.
Montou a própria Consultoria, tornou-se muito importante desde a redemocratização. E até hoje se mantém com imenso prestígio em várias atividades, entre as quais uma grande universidade, por ele criada.
As duas filhas, moças comuns e de vida estável, também simpáticas e tratáveis.
Ao que percebi, todos tinham críticas ao velho, e dele escaparam de um jeito ou de outro.
Pois bem; imóvel vendido, fui visitar os herdeiros para tratar da divisão do espólio. Nenhum problema; mas algumas idiossincrasias:
JOÃO, o escritor, e o mais velho entre os quatro, morava em apto no centro de Sampa, e não ligava para coisas materiais. Confiava no irmão contador e nas irmãs. Recebeu, e continuou sua vida em paz.
O filho contador, astro em ascensão, me recebeu rapidamente como é típico dos muito ocupados. Pediu que eu levasse os documentos para a esposa dele assinar.
Sem nenhuma surpresa, o cara morava no lado oposto da cidade, bem longe de onde fora criado… Reação psicológica nada estranha para mim…
Tudo resolvido. E todos eles nunca mais voltaram ao local onde foram criados. Mudaram radicalmente de vida.
O passado, nunca ausente, impulsionara os quatro irmãos para dele fugir.
SEO JOÃO, o indelével; palavra que vem do verbo “delir”, sinônimo de apagar, foi deletado pela família já que delirante, e talvez outros predicados não comentados…
Muito curioso!
Como e por que uma pessoa tão simples e improvável criou filhos tão além do normal? Quem foi, de fato, o SEO JOÃO? E sua esposa? Quem teria sido?
A única certeza é que a vida dele terminou em desgosto.
POSTAGEM ORIGINAL: 14/06/2020