Passei a maior parte de minha vida profissional trabalhando no mercado imobiliário. Mesmo no parêntesis entre 1991 e 2002, quando toquei 3 lojas que vendiam CDs, e (quase) realizei o sonho de trabalhar somente com música. Continuei “mexendo” com imóveis. E, até hoje permaneço com menor intensidade.
Pois, bem; conheci muita gente e de todos os tipos. Alguns personagens marcantes.
Em meados de 1989 e início de 1990, conheci FREDERICO AFLALO.
Fui tratar com ele a locação de um imóvel no Pacaembu, bairro nobre de São Paulo, que já estava em litigiosa mudança forçada de vocação; de zona tipicamente residencial, para alguns polos de escritórios, show-rooms e outras atividades e prestações de serviços comerciais. Esta briga permanece até hoje. É da dinâmica urbana irrefreável.
1989 foi ano seminal na História humana. Brasil incluído. Houve a queda do muro de Berlim, que marcou o início da derrocada do socialismo real, culminando no final da União Soviética.
Trinta e e alguns anos depois, a cara geopolítica do mundo está modificada. Mesmo que a principal sucessora dos soviéticos, a RÚSSIA, esteja em luta para recuperar sua influência e até hegemonia regional.
A mudança não aconteceu como disse e quis a direita; e muito menos o que pensou e conseguiu a esquerda. Foi para diversas possibilidades, com idas e vindas. Metamorfose ambulante e oscilante em progresso para sabe-se lá onde?
Se sob a perspectiva do modo de produção o capitalismo venceu; ao mesmo tempo foi civilizado e quase emasculado politicamente. O mundo que realmente existe e importa oscila entre o neoliberalismo nutela e a socialdemocracia mitigada.
Estamos melhor agora?
Não sei, não sei, não sei!!!! grita o torcedor interessado.
Vamos ao bovino fêmea sob refrigeração.
Quem era o FREDERICO AFLALO?
Vou contar desde o começo. Ele telefonou para o meu escritório interessado no imóvel. Visitou, gostou e pediu para conversar. Fui até ele em seu escritório, na Avenida Paulista, curiosamente no mesmo endereço onde, dois anos depois, abri com meu amigo Silvio Dean a primeira loja da CITY RECORDS – nossa incursão libertária em direção aos prazeres de juventude. Vendíamos CDS. Mas é outra história…
Cheguei lá e econtrei FREDERICO, um personagem risonho, otimista, aberto, jovial e inesquecível. Uns dez anos mais velho do que eu. Ele havia retornado ao Brasil depois da anistia política. “Foi saído” do país durante a ditadura de 1964. Era de esquerda. Comunista convicto!
Exilado na Alemanha Oriental, “FRED” fez contatos e tornou-se representante, elo de ligação, entre as empresas de lá e o Brasil. Com tino comercial e para relações públicas, e os contatos adequados tanto lá quanto cá, tornou-se um de empresário de esquerda. Ele intermediava importações para o Brasil. E vice-versa.
Na parede ao lado de sua mesa de trabalho, uma foto enorme com FIDEL CASTRO. Havia estado em CUBA, também. Era impossível deixar de notar! Perguntei.
Conversamos, ajustamos detalhes e comemoramos com RUM CUBANO autêntico e de primeira linha. No final, ele me presenteou com 3 CHARUTOS CUBANOS especiais ( eu não fumo e não entendo disso…), que recebia regularmente de lá, inclusive com o suprimento de rum…
Bom; negócio feito, combinei encontrar-me com ele no escritório novo. Passados dois meses fui até lá. Surpresa agradável e
sensacional!
No local, ele e sua mulher, a sueca GUDRUN, também instalaram uma galeria de arte para negociar obras alternativas. Cubanos, latinos diversos e artistas europeus do leste. A esquerda em presença vívida e demonstrada. Muito legal!!!
E mais surpreendente ainda, um escritório como jamais vi igual! Uma verdadeira “multinacional plurirracial alternativa”. Gente de Cuba, da Suécia, alemães e africanos; negros e brancos. Meninas lindas e jovens. Uma aula de geografia humana. Era vibrante!
E quem comandava o trabalho era um contador. Brasileiro e anão. Em princípio, tudo parecia caminhar; relações comerciais prósperas, etc…
Mas foram abaladas com a queda do muro de Berlim, em 1989, e a reunificação da ALEMANHA. E em seguida com a eleição de COLLOR, aqui no Brasil. A crise geopolítica levou suas consequências para ele.
Em meados de 1990, nos encontramos novamente. O clima era de velório. Estavam presentes outros dois brasileiros, notoriamente de esquerda, certamente companheiros de luta política, e também desolados com os rumos da “Pátria Amada Brasil”. FREDERICO reivindicou outra coisa da qual não me lembro e não pude dar sequência. Eu já não administrava mais o imóvel.
Anos depois, eu vi FREDERICO AFLALO sendo entrevistado pelo JÔ SOARES. Ele havia lançado um livro inimaginável: MARXISMO E UMBANDA… que não li.
Morreu tempos depois. Era um personagem excêntrico e inesquecível. E também desiludido com as voltas que a pátria amada nos dá. Sempre traindo os bem intencionados e progressistas, sejam à direita e à esquerda.
“Somos o que nos tornamos”, recorda a frase óbvia e incisa de PAULO FRANCIS. Ou, “o Brasil é uma prostituta que eu sempre amei e sempre me traiu”, disse outro alguém. Ou talvez a frase definidora e definitiva de ROBERTO CAMPOS: “O Brasil não perde a oportunidade para perder oportunidades”. Somos injustos, tradicionalistas e conservadores demais! Cesar LimaGerson PéricoValdir ZamboniCezar GalvãoHelio OrgoliniRibamar FilhoPierre MignacElvio Paiva Moreira
POSTAGEM ORIGINAL 2019, AMPLIADA EM 06/05/2024