Quanta louça tive de lavar, para conseguir um timinho vagabundo vendido em papelarias e lojas de brinquedos!!!!
O retrospecto é mais ou menos o seguinte: antes de colecionar discos, a fixação era o JOGO DE FUTEBOL DE BOTÕES!
Foi dedicação total e a minha primeira inserção na fracassada carreira de vagabundo. Perdi a primeira série do ginásio, hoje FUNDAMENTAL, por causa do jogo!
Quando eu tinha uns nove, dez anos de idade não pensava em outra coisa!!!! Fiz milagres para conseguir as tampas transparentes, que protegem o mostrador de horas dos relógios. Perambulei e mendiguei a relojoeiros para conseguir as “capinhas” usadas, excelentes “jogadores” e formar os times.
Não havia transeunte que eu deixasse de notar o formato ou tamanho do relógio que usava! Se daria bom jogador, ou não!
Olhei com lascívia para despertadores, relógios pequenos de parede, e tudo o mais que vislumbrasse a hipótese para moldar mais um jogador!
Eu observava futuros zagueiros, volantes, laterais, pontas e outros bichos de meio de campo, defesa, sei lá…
E, principalmente, se tinham formato e tamanho adequados para jogar como atacantes, os “atletas” mais difíceis de “serem formados nas divisões de base”…
Essa minha tara infanto-juvenil foi aplicada com método e muita catimba e safadeza.
Certo dia, apareceu em casa um relógio de bolso. Era do meu pai. Olhei para a lente e não tive dúvida: seria o meu novo MENGÁLVIO, o grande e errático meia-direita do SANTOS, nos tempos de PELÉ, COUTINHO, PEPE, lá por 1963/64!
MENGÁLVIO era Jogador de alto nível técnico, e perdeu posição para outro craque inesquecível, LIMA, espécie de coringa do time, pois jogava em várias posições com proficiência.
Mas, nos meus times o craque era o MENGÁLVIO: chutava bem, encobria, passava. O relógio do meu pai “escondia” o BOTÃO perfeito para o meio de campo, e o jeito como eu jogava.
O meu craque original andava “contundido”, já não fazia o que minha mão determinava, estava rachando e precisava ser substituído…
Um dia, tomei coragem e fui procurar em frente a relojoeiros alguma lente usada que coubesse no relógio do SEO MORAES…
Achei outra mais ou menos parecida… Voltei pra casa, desmontei o relógio, substituí e… deu tudo errado!
Na primeira “olhada” o velho matou a charada, e letal feito um vulcão: espalhou lavas e berros com sua voz de baixo-barítono!
E sequestrou definitivamente o meu futuro meia direita!
Frustração irrecorrível!
Com o tempo, migrei para times feitos artesanalmente, com esmero, técnica, profissionalismo e materiais adequados.
E passei a jogar sob as regras oficiais da Federação. Fizemos vários pequenos campeonatos no belíssimo campo oficial do Toninho Paes , meu cunhado.
Hoje, não tenho mais vontade de jogar.
Uns vinte e cinco anos atrás, fiquei questionando sobre o quê fazer com o meu acervo de infância?
Decisão: colei-os todos em pranchas de Eucatex, viraram quadros decorativos.
O tempo os deixou feios.
Então, decidi retorná-los ao estado original. Procurei a SILVANA, dona de uma excelente loja de molduras e tintas, onde comprava pincéis, telas, etc…, durante o tempo que cometi umas pinturas. Enjoei daquilo, também…
A SIL desmontou com muito cuidado e quando fui buscar, dei de cara com o meu passado remoto.
Olhando time por time, percebi que tenho 6 do SÃO PAULO!!!! 4 do PALMEIRAS e 3 do CORINTHIANS!
E, também, os times do JABAQUARA, GRÊMIO, GUARANI, entre vários outros… E dois times do FLUMINENSE, VASCO e do FLAMENGO. E até uma raridade, o time completo com fotos do CANTO DO RIO cerca 1965. Lá jogava “DIEICIL”, na meia direita!!!
E notei que tenho apenas dois times do SANTOS! E, por isso, recordei: eu torcia para o time do MORUMBI, o SÃO PAULO, mais ou menos até os 8/9 anos de idade!
Na minha infância – e até hoje – mudar de time, virar casaca, era crime de traição e lesa-pátria. Atitude abominável, inaceitável. O quê me deixou sem esteio por muito tempo, e sob a crítica de amigos, etc… mas, foi libertador.
Os meus sobrinhos ao nascerem ganharam camisas dos times que os pais torciam: meus dois cunhados, um palmeirense e outro corintiano, impuseram e preservaram a dinastia; seguidas fielmente pela garotada!
Mas, eu não.
Mudei por conta própria. Acho que, na época, cansei de ver o SÃO PAULO perder. ..
E sei lá quantas vezes eu me arrependi de ter feito aquilo! Afinal, o sobe-desce nos esportes é parte da brincadeira. Torcer fica entre o cruel e o lúdico. Então, não adianta mudar…
Mas, apaixonados pelo jogo feito eu, quando criança nem sempre têm a resiliência pra suportar…
São memórias fundamentais na minha formação. Inclusive, com a derradeira compra que fiz: solitário BOTÃO de “baquelite”, adquirido numa feira de antiguidades, em PETRÓPOLIS, anos atrás.
O Santos vai mau, obrigado. Mas não o trocarei de jeito nenhum…
