Em um bairro antigo e sem atrativos, em local feio está o CEMITÉRIO DA QUARTA PARADA, o maior de SÃO PAULO.
Há um jardim feio e o tempo inteiro gente circulando nos velórios e na administração do cemitério.
E, fomos eu e meu irmão Ciro mais uma vez, entre tantas que por lá estivemos, cuidar do ritual soturno e inevitável para que tudo corresse bem na última HUMILHAÇÃO a que todos seremos submetidos um dia: VELÓRIO e ENTERRO, a fronteira final do ser enquanto por aqui está.
A impermanência é a regra número um da vida – o Buda tinha razão.
Foi o triste dia do nosso querido, inseparável amigo e primo BETÃO.
Cara legal, bem humorado, probo. Mais uma lacuna entre tantas na alma e convívio de todos. Deixou para nós a Olga, sua irmã, nossa prima e amiga. Está doendo, continuará doendo…
A lanchonete no cemitério é feia e desagradável; e as cadeiras velhas, desconfortáveis.
Como sempre, ficamos nas garrafas d`água, o artigo menos inseguro para ser consumido enquanto se aguarda para as providências finais.
Postadas do outro lado da morte elas nos receberam.
Primeiro NEIDE. Burocraticamente simpática e contida em sua máscara para poder aguentar um ambiente triste, deprimente e quase tenso. Ela nos atende sem conflitos e sem má vontade.
Eu e o Ciro somos hábeis no trato. Eu mais acostumado a esculpir sorriso em mármore, deixo pra lá as imperfeições inarredáveis de nossas burocracias, que nos fazem perder um tempo enorme por causa do ritmo inabalável do sub-desempenho.
Conseguimos que tudo transcorresse com alguma ligeireza…depois de quase quatro horas de espera.
Fomos encaminhados à primeira TAÍS.
Num local ermo, perigoso e lúgubre nas proximidades do cemitério, ela nos recebeu na clínica particular especializada em cuidar da THANATOSPRAXIA: o restauro e preparo do corpo para que esteja apresentável no velório – um trabalho necessário, mas horroroso de ser feito.
TAÍS é profissional, simpática, talvez bela, foi mais rápida e nos aliviou do desconforto de estarmos em lugar que nos trazia algum medo pelo isolamento e óbvia exposição para possível violência ou assalto. Prometeu que tudo correria bem. E correu.
Na volta para hospital, a primeira e até agradável surpresa: o RABECÃO chegou primeiro do que nós. Evitou mais um torneio de espera longa e conformada.
E a outra surpresa: a segunda TAÍS. Perto dos trinta anos, falando muito bem e com certa graça contida, TAÍS é a surpreendente operadora do RABECÃO.
Foi inevitável comentar de nossa surpresa, que ela disse estar acostumada, porque notória e cotidiana. E disse, “meio tétrico, não”. Eu respondi: “gótico, quase punk” – e ela concordou sorrindo. Muito eficiente, cuidou de tudo sozinha, e levou o querido BETÃO dali.
Melhor assim. As mulheres nos trazem ao mundo e são as mais indicadas para nos ajudarem a sair dele.
A nós, os sobreviventes, resta o convívio do passado e da memória. E a dolorosa e aguda percepção de que o presente a cada dia mais é preenchido com lágrimas. Somos luz e energia. O corpo inerte comprova isso.@Angela Paes de MoraesOlga GariniCiro de MoraesPaulo Vinicius Guilherme Britto de MoraesMaria Cristina Anacleto GariniAna Beatriz DiasVita Veiga DiasCesar GariniCristianeCristiane LemeThais LemeMaria José Garini FreitasAlcides FreitasEdison Batistella Jr
POSTAGEM ORIGINAL: 09/07/2018