TARDE BUCÓLICA EM UMA SÃO PAULO QUE NÃO EXISTE MAIS

Era de dezembro de 1966, quando eu tive uma de minhas sensações mais nítidas e recorrentes que a memória alcança:

Laivos de paz, coisa de momentos que esvaneceram no real amargo e inevitável.

Mas, enxerguei a miragem do “improvável – possível – quem sabe…”, especulo agora.

Eu morava em Vila Clementino, na RUA LOEFGREEN, Mas sei lá por quais motivos, naquela tarde desci a RUA PEDRO DE TOLEDO, paralela, vindo da DOMINGOS DE MORAES.

Plantadas sobre as calçadas havia árvores escondendo pedestres e casas boas. Era rua de gente remediada e algumas famílias de classe média alta. Lugar aprazível, mas já antevendo o colapso do bucolismo, que foi exterminado de São Paulo para nunca mais voltar.

Eu retomo, agora, aquela sensação de paz olhando a via arborizada, bonita e lenta; à época verdadeira alameda, que passava pelo já importantíssimo HOSPITAL SÃO PAULO; embrenhava cortando a AVENIDA MOREIRA GUIMARÃES, sobre a qual foi construída, poucos anos depois, a RUBEM BERTA. E seguia passando pela APAE e o HOSPITAL DOS SERVIDORES PÚBLICOS; cruzava a AVENIDA IBIRAPUERA, por onde ainda passava bonde, e nem de longe se imaginaria o que viria a tornar-se.

E terminava calma e bela no PARQUE do IBIRAPUERA. Um resquício de urbanidade do que talvez pudesse ter sido uma cidade menos estuprada, roubada, vítima do desmazelo da administração pública; de persistentes crises econômicas e da sempre insolucionada pobreza e onipresente injustiça social.

Em 1966, não parecia que nós, os paulistanos, habitaríamos o colapso permanente e a feiúra progressiva de um “RETRATO DE DORIAN GRAY ARQUITETÔNICO TUPINIQUIM”.

Minha impressão é que a cidade se transformou nisso.

Finito.

O ano de 1966, mais uma vez como os anteriores, não havia sido bom. Mas, eu fui aprovado, no ginásio ( Fundamental 2, Ana Beatriz Dias? ). E pude curtir algumas semanas de paz jogando botão, ouvindo rádio e, quando conseguia, também uns discos.

Curiosamente, em casa trabalhava uma garota, vizinha pobre, chamada Zaida de Loreto. Guardei o nome. Ela tinha compactos dos BEATLES, dos ROLLING STONES, do ROBERTO CARLOS, do RONNIE VON e da RITA PAVONE! Sucessos daquele momento. Eu já gostava muito.

A vida era dura para os meus pais, eu começava a perceber com 13 anos recém completados, e domínio nulo da realidade e da minha própria existência.

Era dono só de uns times de botão e alguns compactos que havia ganhado ao longo vida. Gato com medo do rato. Futuro incerto, como é para quase todos.

O país estava em ajuste econômico pesado, sob a administração de ROBERTO CAMPOS e OCTÁVIO GOUVEIA DE BULHÕES, ministros da ditadura de 1964, no governo Castelo Branco. E, claro, os pobres e a classe média baixa – nosso caso – sofreram com isso.

FERNANDO, o me pai, havia sido quase o tempo todo mecânico de aviões. Mas fez acordo e foi demitido da REAL, companhia de aviação que fora integrada, ou entrou na formação da VARIG.

O motivo principal foi doença respiratória, comentavam os adultos.

O velho comprou uma mercearia, no Cambuci, e não deu certo. Minha mãe, HELENA, voltou a trabalhar como professora primária substituta, o que significava só receber se algum professor faltasse. Em resumo, ela ia ao grupo escolar e, se houvesse aula para ela dar, tudo bem. Se não, gastava o dinheiro da condução, que era por conta dela, e retornava pra casa.

As iniquidades de antigamente eram muito piores do que as de hoje. Não havia suporte social para os que não tinham emprego, ou renda.

Eu senti o baque. Acho que meus irmãos um pouco menos, já que ainda crianças. E nesse lusco-fusco existencial nada leve, fui crescendo, amadurecendo aos poucos, forjando parte do que hoje sou.

Viver naqueles tempos “ERA TAMANCO SEM COURO; ERA PAU PURO!
POSTAGEM ORIGINAL : MAIO 2021

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *