MARISA MONTE é um elo curioso entre a tradição da música brasileira e a vanguarda que a excede e transcende.
A nova MPB e o POP NACIONAL contemporâneo têm parte da genética trazida por ela, e cultivados milimetricamente por sua estratégia de carreira, com muita paciência,O bom gosto e calma.
Para uma cantora excelente, versátil e talentosa, quase 40 anos de sólida reputação e grande sucesso de crítica e comercial, MARISA gravou pouco e esparsamente.
Apenas doze discos originais, e alguns DVDs. Participou de projetos e lançou coletâneas. Em compensação, fez shows, muitos shows, todos de enorme sucesso de público.
Mas fiquei intrigado que tenha vendido em torno de dez milhões de álbuns, em tanto tempo de carreira. É pouco demais.
Seria?
MARISA MONTE soube colocar-se no ápice do mercado: é simultaneamente lúdica e lúcida; cult e popular; um mito sem permitir que se transforme em ícone expostos à luz do templo, e à “sanha” das massas.
Ela começou muito jovem, aos 19 anos. Gravou MM, 1989, disco ao vivo em que demonstra seu potencial e talento. Vai do jeito GAL COSTA de cantar, passa por algo BLUESY no vocal, e repertório eclético, de samba a PORGY and BESS. Foi muito bem sucedida, inclusive graças à produção de NELSON MOTTA. Dali, foi HIT atrás de outro…
MARISA é carioca típica, mas discreta. A gente percebe o acento inconfundível daquele RIO DE JANEIRO sofisticado, classe média alta. E vou tomar emprestados dois verbos para tentar definir: “escandindo” tradições, e “instilando” vanguardas e novidades. MARISA MONTE conjuga esses dois polos que ela, também, tornou complementares.
No passado, NARA LEÃO transitou da BOSSA NOVA para o alto do morro. E, de lá, ajudou a trazer a grande tradição popular do SAMBA para os jovens, a classe média emergente, e o confirmado respeito intelectual.
O magnífico SAMBA também foi veículo de resistência àqueles tempos duros, nos 1960/1970.
E, não esqueçamos: foi NARA quem defendeu os novos compositores, as doideiras da TROPICÁLIA, em 1967; e o uso de guitarras elétricas, e a nova imbricação que se intrometia entre o ROCK DE FORA e a mais legítima MÚSICA BRASILEIRA.
Sob esse aspecto, NARA é precursora de MARISA.
MARISA justapõe e às vezes mescla a verdadeira música de raiz brasileira.
Incentivou, sem clubismo, as grandes ESCOLAS DE SAMBA do Rio. Produziu e gravou os compositores da PORTELA, e da MANGUEIRA, também, em discos diferentes, e em seus próprios ambientes. Resumindo: respeito, dedicação e reverência.
Além de moça elegante e bela, MARISA tem como parceiro a mais completa tradução de competência, gentileza e arte das tradições cariocas: PAULINHO DA VIOLA. Credencial e passaporte insubstituíveis!
Compondo seu próprio mosaico, MARISA tem discernimento e critério na seleção de parceiros.
Incentiva arranjos diferenciados, e mantém o pensamento focado em fazer de cada disco uma obra única e, se possível, prima! Conseguiu?
Não vou enfrentar essa discussão.
Mas há tratamentos inusitados em cada projeto, como TUBA em lugar do BAIXO; mais HARPA, CUÍCA, RECO-RECO e SINTETIZADORES. E até um “BABY SITAR” – que mal consigo pensar que porra seja essa – a não ser que todos juntos, e muito bom gosto a bordo, trouxeram resultados.
MARISA MONTE fez dessas e outras mais. Convocou gente da VANGUARDA JAZZÍSTICA AMERICANA para os discos dela. O saxofonista JOHN ZORN; o guitarrista MARC RIBOT; o produtor e cantor ARTO LINDSEY e o cultuado compositor e cantor DAVID BYRNE – todos experimentalistas.
E não esqueceu gente mais FUNK, tipo o tecladista BERNIE WORRELL, mito da BLACK MUSIC.
E todos mesclados com músicos brasileiros, e moderados pelo talento em produzir da própria Marisa, foram amalgamando e criando um som pessoal, novo e contemporâneo a cada disco realizado.
Aqui, a tradição cedeu lugar ao novo.
E tudo junto ao mesmo tempo agora, aliou-se à vanguarda do ROCK PAULISTA. Os TITÃS preenchem outro lado na tela do mosaico criativo de MARISA:
Em NANDO REIS conseguiu o ar juvenil, um POP SOFISTICADO, mas não muito cabeça. Coisa da hora, para recuperar expressão outrora pertinente.
Com ARNALDO ANTUNES, o POETA que ela trouxe para chamar de “seu”, a química soa perfeita.
A precisão e poder incisivo da linguagem de ARNALDO, temperados com – vou chutar – a delicadeza, sensibilidade feminina e o canto de MARISA, juntam-se a urgência POP à vasta possibilidade que a língua portuguesa permite, versos raros, claros. Diretos da poesia para a canção..
A parceria de MARISA MONTE e alguns TITÃS é anterior. Mas tornou-se efetiva nos TRIBALISTAS, à partir de 2002, com ARNALDO e CARLINHOS BROWN – percursionista classe mundial.
Houve rejuvenescimento POP, às vezes pouco mais do que adolescente que foi, aos poucos, tomando o lugar da experimentação mais escancarada.
Em seu disco, “O QUE VOCÊ QUER SABER DE VERDADE”, isto fica nítido. Apesar das críticas não tão favoráveis como antes.
Eu confesso não gostar da interação vocal entre ANTUNES e MARISA. Acho a voz dele seca, antimelódica – para mim feia. Um baixo barítono lembrando o atual DYLAN. Um tanto diferente para alguém que emulava PETER MURPHY, o vocalista do BAUHAUS… Mesmo assim, o dueto é inusitado e funciona.
O que realmente importa é a alta qualidade média dos discos e a efetivação de uma dupla linguagem, quase sempre distintas: o respeito à TRADIÇÃO, e o POP brasileiro moderno assumido. E MARISA navega sobre os dois com igual competência.
Em 2020 ela trocou de gravadora. Deixou 32 anos de EMI e foi para a SONY. Talvez reflexo de algum estancamento criativo na carreira, já um tanto perceptível. Ou da própria mesmice da música popular, em geral.
Houve novidades anunciadas, um projeto chamado CINEPHONIA, em 2020.
MARISA lançou, também, o disco PORTAS, em 2021. De certa maneira, continuidade ao que vinha fazendo, mas com foco mais nítido sobre o POP, sua linguagem mais bem definida. Melodias bonitas, as parcerias tradicionais, e mais outras…
Muitos reclamaram que MARISA fez mais do mesmo. Eu também achei. Mas, por que exigir dela experimentações, descobertas novas em terreno cego e mal arado, como andam as nossas paragens musicais?
Prefiro que ela fique livre cultivando o belo, dando um tempo. Veremos no que dará. Da minha parte, vou observar e continuar gostando, prometo… Não deixem de curtir MARISA MONTE – é pra lá de prazeroso!
POSTAGEM ORIGINAL REDEFINIDA: 20/11/2020

POSTAGEM ORIGINAL REDEFINIDA: 20/11/2020








