No segundo semestre de 1974, eu entrei no curso de CIÊNCIAS SOCIAIS, na USP. Terminei e obtive diploma no final de 1978.
Eram tempos conturbados, início do governo GEISEL e a repressão ainda comia solta. Vez por outra colegas eram presos, e são públicos e notórios os casos de violência nas masmorras do regime.
Havia liberdade de cátedra nas FFLCH? Em termos. Os professores davam aula, mas não podiam abertamente se manifestarem sobre política. Mas, se manifestavam em grupos pequenos perante os alunos.
Ainda bem!
A geração de 1968 estava exilada e, por isso mesmo, a resistência contra a ditadura dos que permaneceram era questão de honra, ideologia e sobrevivência política.
Eu entendi, no dia-a-dia, o valor da liberdade e o porquê, após a abertura política, do monopólio ideológico da esquerda: foi reação proporcional à violência de suprimir a liberdade de opinião, expressão e organização que o regime militar impingiu.
Cuidado com as ideias. Elas têm força!
É óbvio: além do combate aos reacionários, pereceram na luta política os liberais, colocados indevidamente no mesmo saco. Eu acho que a perda intelectual que tivemos, por causa da não compreensão do valor dos liberais e do liberalismo, somente agora, 40 anos depois, está sendo minimamente recuperada.
Mas, o fato é que estudávamos principalmente sob a teoria marxista. Aliás, em momento algum deixaram de ser publicadas, no BRASIL, obras acadêmicas de e sobre KARL MARX e o MARXISMO, que eram vendidas até em bancas de jornais.
Houve um boom editorial durante a ditadura, em seu período mais brando, após MEDICE. A minha biblioteca, que é bastante razoável, começou a ser formada no início dos anos 1970.
Mas, voltado às memórias, a primeira grande aula magna que tivemos foi com o grande professor LUIS PEREIRA. Grande teórico da sociologia, estudioso compulsivo, leu pra valer MARX e outros clássicos.
No entanto, era um tanto confuso para expor para os iniciantes. Didática? tinha nenhuma. Meta-linguagens e conceitos eram metralhados sobre nós durante 4 horas!
Em sua primeira aula magna o professor “simplesmente” montou um suposto diálogo/debate e confronto teórico entre os três clássicos fundadores da sociologia: MARX, EMILE DURKHEIM e MAX WEBER!. Uma explosão nuclear a céu aberto! Causou pânico geral!
Tempo vai, estudo vem, chegou o dia da prova final do semestre. Os professores auxiliares do mestre, JESSITA RODRIGUES e BRASÍLIO JOÃO SALLUM, ainda vivos; e ótimos, preparados e solidários, esclareciam a todos nós e tranquilizavam os mais apavorados.
Eu encarei em relativa boa. E fui aprovado com nota 8,00.
Na prova, uma das questões era tecer um comentário sobre a “racionalidade” em MARX e a racionalidade “intrínseca” da contabilidade, uma das razões apontadas por MAX WEBER para explicar o porquê do surgimento e vitória do capitalismo.
A resposta é mais ou menos a que exporei. Mas era e é preciso elaborar muito e muito mais o conteúdo, o que foi exigido na prova.
Em MARX, a verdadeira racionalidade é social; e supõe uma sociedade sem contradições de classe, ao contrário das sociedades sob o CAPITALISMO. E considerava, sob esse aspecto, irrelevante os artifícios técnicos propiciados pela contabilidade.
Eu justifiquei os dois lados. E como conhecia alguma coisa de contabilidade, também achei improvável que MARX desconsiderasse a criação do FREI LUCA PACIOLI, em 1494, o chamado método das “partidas dobradas”, que colocou ordem no caos da administração dos bens materiais. Tirei nota oito.
E por que tudo isto?
Porque me recordo com saudades; e mantenho certa ansiedade, por saber que a superação da luta entre esquerda e direita é uma impossibilidade teórica, política e existencial.
E não importa. Viver é conviver com a contradição eterna. Não existe teoria unificadora para coisa nenhuma no mundo dos homens! Por mais que a vontade política e as religiões discordem.
POSTAGEM ORIGINAL: 31/08/2022