O MUNDO PASSOU POR TRANSFORMAÇÕES CULTURAIS PROFUNDAS DURANTE A DÉCADA DE 1960. HOUVE OTIMISMO E HEDONISMO, E, TAMBÉM, RADICAIS MUDANÇAS DE COMPORTAMENTOS E PROPOSIÇÕES POLÍTICAS.
FORAM TEMPOS PLENOS DE EVENTOS CONTRADITÓRIOS, E MUITAS VEZES SIMULTÂNEOS. MAS FREQUENTEMENTE NÃO COMPREENDIDOS À ÉPOCA. PORTANTO, HÁ O LEGADO DE VASTA COLEÇÃO DE FATOS ESTRUTURANTES PARA O MUNDO CONTEMPORÂNEO.
A HISTÓRIA PASSADA CONDICIONA A “HISTÓRIA FUTURA”, MAS NÃO A DETERMINA. NOVOS FATOS NO CORRER DOS TEMPOS E A TODO MOMENTO, ABREM CAMINHOS PARA A REVISÃO DE IDEIAS E CONCEITOS NESSA INTERAÇÃO ININTERRUPTA .
A HISTÓRIA NÃO TEM FINAL; ELA É UM PROCESSO CONTÍNUO. E A DINÂMICA DO PRESENTE DESTACA A PERCEPÇÃO DO PASSADO, E POSSIBILITA NOVAS CONCLUSÕES, MESMO QUE TRANSITÓRIAS.
O PASSADO, DESTE PONTO DE VISTA, NÃO ESTÁ “MORTO”. OS FATOS ANTES DE SERVIREM COMO BASE CONSISTENTE PARA ANÁLISES, REQUEREM CERTO CONSENSO SOCIAL PARA SE IMPOREM COMO DE IMPORTÂNCIA EFETIVA.
AINDA ASSIM, O QUE É COMPREENDIDO NO PRESENTE COMO A “VERDADE”, SEMPRE PODERÁ SER CONTESTADO E RECUSADO NO FUTURO. A INCERTEZA E A IMPERMANÊNCIA SÃO AS “CONSTANTES INCONTESTÁVEIS” NA HISTÓRIA DOS HOMENS.
“WHAT’ S GOING ON ?”
O CONSENSO ATÉ 2018, CONSIDERAVA A OBRA PRIMA DOS “BEATLES” LANÇADA EM 1967, “SGT PEPPER´S LONELY HEART CLUB BAND”, O MAIOR, MAIS AMPLO E INOVADOR DISCO DE MÚSICA POPULAR GRAVADO EM TODOS OS TEMPOS. FOI PERCEBIDO COMO ESTÁGIO ADIANTE SOBRE O QUE HAVIA SIDO REALIZADO ATÉ AQUELE MOMENTO.
O ÁLBUM COMBINA, EM ALGUMAS FAIXAS, O MAIS MODERNO DO ROCK COM A MÚSICA ERUDITA DE VANGUARDA. E PRESERVA, EM OUTRAS CANÇÕES, ARRANJOS E RITMOS TRADICIONAIS.
E TUDO EMBALANDO LETRAS BEM FEITAS; COMENTÁRIOS POLÍTICOS E DE COSTUMES QUE DESCREVEM O PANORAMA CAMBIANTE DAS RELAÇÕES SOCIAIS EM MEADOS DA DÉCADA DOS 1960. A SOMATÓRIA DESSES FATORES FAZ A OBRA FUNCIONAR COMO “DOCUMENTÁRIO”; UM ÁLBUM CONCEITUAL; CRÔNICA SENSÍVEL REVERBERANDO NO PRESENTE.
“SARGENT PEPPER´S…” FOI GRAVADO COM AS TECNOLOGIAS DE ESTÚDIO MAIS INOVADORAS DA ÉPOCA. O QUE POSSIBILITOU SONORIDADES E RESULTADOS ATÉ HOJE PERCEBIDOS COMO “CONTEMPORÂNEOS”. ESTE DISCO DOS BEATLES SOBREVIVEU E TRANSCENDEU AS DÉCADAS.
É OBRA GRANDIOSA E AINDA VIVA, QUE REFLETE CERTA CONSTÂNCIA DA HISTÓRIA HUMANA EM ALGUNS DE SEUS “MACRO -TEMAS”: LIBERDADE, DROGAS, POBREZA, SOLIDÃO, CONSERVADORISMO, REBELDIA, SOLIDARIEDADE… É O COTIDIANO E SUAS MÁS NÓTÍCIAS; AS GUERRAS, E VÁRIOS ETC…; E SE TORNOU EXEMPLO DE ARTE EM COMPASSO COM A REALIDADE MUTANTE. TUDO CONSIDERADO, É UM SUMÁRIO DA CONTEMPORANEIDADE.
NO ENTANTO, PROFÉTICO MESMO FOI “TOMMY”, OBRA CONCEITUAL CRIADA POR “THE WHO”, EM 1969: METÁFORA SOBRE A ALIENAÇÃO E ATOMIZAÇÃO DO INDIVÍDUO, REPRESENTADO PELO PERSONAGEM TOMMY, GAROTO SURDO E MUDO, MAS CRAQUE OBSECADO POR MÁQUINA ANTECESSORA DOS ATUAIS JOGOS ELETRÔNICOS: O PIMBALL, FLIPERAMA, EM PORTUGUÊS..
OS “TOMMYS” CONVIVEM CONOSCO HÁ DÉCADAS. ESTÃO NOS LARES, NOS BARES, NAS ESCOLAS; EM ÔNIBUS E METRÔS. E PROVAVELMENTE NOS ULTRASSARÃO, PORQUE LINKADOS À VIDA COTIDIANA, QUE É ELETRÔNICA, VIRTUAL, ATOMIZADA; ONIPRESENTE. E INEVITÁVEL!
MAS, OUTRO DISCO MONUMENTAL TOMOU A LIDERANÇA NESSE ETERNO “AGORA”. E A SENSAÇÃO DE ANTECIPAÇÃO QUASE PROFÉTICA FICOU MAIS UMA VEZ EXPLÍCITA.
SERIA “WHAT´S GOING ON”, DE “MARVIN GAYE”, LANÇADO EM 1971, MELHOR, MAIS ADEQUADO E ATUAL DOS QUE OS BEATLES?
Em primeiro lugar, .repare que ambos têm mais de cinquenta anos! E a diferença entre o surgimento de um e outro foram menos de quatro anos.
Mas quê quatro anos!!!!!
Quando o disco de “MARVIN GAYE” saiu, o pessimismo e o desencanto haviam tomado conta do mundo. A utopia hippie entrara em desuso; e continuaram as guerras e disputas entre potências e seus arsenais nucleares nas alturas. Ficou escancarado que ditaduras se espalhavam por todo o planeta, trivialidades que se repetem, nos tempos atuais. Tudo se reposicionou. Mas essencialmente pouco mudou.
Observe também, que em 1967 já havia brotado um ROCK PESSIMISTA, eivado por drogas, realista e marginal; e longe do “SUNSHINTE POP” e dos BEATLES. De certa forma, o “VELVET UNDERGROUND”, de “LOU REED”, anteviu o que ficara explícito, em 1971; e continua regra até agora…
Sobreviveram do passado vários temas retrabalhados por “MARVIN GAYE” em seu álbum imprescindível: pobreza, vida marginal, violência, drogas, racismo…desigualdade social e racial…
Para entender “WHAT´S GOING ON?”, é preciso notar que, em 1970/1971, foram lançados discos notáveis abordando as mazelas com muita crítica social explícita e militante. Todos eivados por tom pessimista e algo resignado. Inclusive o novo assunto daquele momento, e que todos nós, dali para frente, passamos a nos preocupar: a ECOLOGIA!
TIO SÉRGIO vai escavar mais. Naqueles tempos, “JONI MITCHELL” lançou “BLUE”, e “NEIL YOUNG” fez “AFTER THE GOLD RUCH”. Mais além, o “JETHRO TULL” criou “ACQUALUNG” – um olhar esquivo e duro sobre religião, educação, marginalidade e outros temas eternos.
E os “MOODY BLUES”, lançaram álbuns muito vendidos. “A QUESTION OF BALANCE”, 1970; e “EVERY GOOD BOY DESERVES FAVOUR”, 1971, são pioneiros em atentar sobre a ECOLOGIA.
E não se pode esquecer CHICO BUARQUE, na mais perfeita descrição poética das agruras da pobreza e do desalento, que ainda nos assolam: “CONSTRUÇÃO” e sua “complementar”, “DEUS LHE PAGUE”, 1971, são canções interativas com elementos de “ROCK PSICODÉLICO-PROGRESSIVO SINFÔNICO”, em arranjo “claustrofóbico” do maestro ROGÉRIO DUPRAT – que lembra os feitos pela banda americana SPIRIT, em 1968/1970. Isto só para citar um exemplo, entre tantos possíveis.
Dado fundamental une as obras naquele contexto histórico relevante: todos são DISCOS DE VANGUARDA, MUSICALMENTE FALANDO. E de acordo com o espírito de “FINAL DOS TEMPOS”.
E MARVIN GAYE é personagem expressivo: um “SINGER/SONGWRITER”; a tendência que se destacou e tomou conta do mercado musical no início dos 1970. Ele é contemporâneo de outros grandes como PAUL SIMON, JAMES TAYLOR, CARLY SIMON… E GIL, CAETANO e CHICO, também, claro; e todos componentes de um vasto etc…
É bom dizer que MARVIN GAYE sempre foi artista relevante para a BLACK MUSIC, e um dos grandes sucessos da MOTOWN RECORDS. Ele foi foi assassinado com três tiros pelo próprio pai, um pastor pentecostal… , em uma discussão de família! Está na cara que nenhum dos dois eram pessoas equilibradas.
MARVIN GAYE não foi um precursor, mas articulou artisticamente várias ideias e temas correntes na música e na sociedade. O disco “WHAT´S GOING ON” é, antes de tudo e simultaneamente, ÁLBUM CONCEITUAL, e de BLACK MUSIC! Um diferencial único entre seus pares. A faixa título é considerada a “quarta música mais importante da discografia americana”!
Da segunda à sexta faixa, há uma SUÍTE “SOUL/FUNK” com percussão latina mesclada ao JAZZ. Verdadeira FUSION dançante, de músicas ininterruptas e interligadas. E tocadas pelos magníficos e precisos “FUNK BROTHERS”, a banda principal da gravadora “MOTOWN”; portanto, garantia de excelência. As três faixas restantes esbanjam qualidade e ritmo, com destaque para a melhor de todas: “RIGHT ON”, um show!
O álbum é pequeno prontuário dos desencantos e desesperanças. E observação da violência e das iniquidades da sociedade americana. E tudo misturado e exposto em um tom espiritualizado, típico da melhor BLACK MUSIC feita no “HOSPÍCIO DO NORTE…” OOOPPPS, nos ESTADOS UNIDOS A AMÉRICA!
MARVIN canta sobre desemprego, inflação e a crise econômica daqueles dias. Cita, inclusive, a poluição, a superpopulação e outros temas candentes, e cada vez mais preocupantes e onipresentes, ligados à ECOLOGIA. Ele constata o racismo, a violência policial, o ódio e as injustiças contra os pobres e, principalmente, contra os pretos.
A obra não esquece dos que lutaram guerras para nada. Que tal recordar um filme com TOM CRUISE, chamado “Nascido em 4 de Julho? Pois bem, “MARVIN GAYE” é um preto que entendeu o drama daquele “branco” aleijado e descartado, o personagem de CRUISE, que a seu modo interpreta um deserdado da utopia americana, que sentiu e sofreu as iniquidades da sociedade que o usou e o abandonou; como ainda faz com incontáveis…
Pois, é! Acontece com a maioria dos pobres. E muitos e muitos pretos pobres, e pobres e pretos, que também viraram buchas de canhão nas constantes guerras do Império americano mundo afora…
MARVIN GAYE CANTOU A AMÉRICA NUA E CRUA SOB A PERSPECTIVA DOS PRETOS! Mesmo que os temas das letras magistralmente compostas por ele e “RENALDO BENSON”, um dos exuberantes vocalistas do “FOUR TOPS”, já houvessem sido expostos antes de ter sido gravado este álbum.
O caminhar bêbado da HISTÓRIA, a transição do mundo para tempos de radicalização política, ficaram evidentes na presidência de DONALD TRUMP, em 2020, quando o álbum foi escolhido o “Melhor de todos o tempos, pela revista ROLLING STONE.
A recorrente violência contra os pretos, na América; e o recrudescimento do racismo e da xenofobia mundo afora, ajudaram a elevar “WHAT´S GOING ON?” ao status alcançados.
A premiação recebida é para obra de altíssima relevância social e artística. É, simultaneamente, reação cultural ao ultraconservadorismo excludente nesses duradouros tempos de ignorância, falta de compaixão e pouca empatia. E foi realizada através de canções perfeitamente apreciáveis mais de 50 anos depois. O álbum não envelheceu! É verdadeiro marco.
Mas não promoveu a REVOLUÇÃO ou INOVAÇÃO na estética musical, como fizeram os BEATLES, em “SARGENT PEPPERS”. E isto parece claro.
Por isso, eu mantenho dúvidas de que seja o melhor disco da história do POP. Se é que isto realmente existe… A revista RECORD COLLECTOR faz listas anuais por gêneros, estilos, etc., o que é mais realista, perspicaz e “mensurável”.
Seja como for, “WHAT’S GOING ON?” sempre estará entre as dez melhores e mais relevantes. E a sua trajetória e peripécias acompanharemos por muito e muito tempo.
Ouçam e tenham na discoteca: é mandatório.
POSTAGEM ORIGINAL :03/10/2020
