Fui, sim, por um ano. Carteira assinada e tudo o mais.
Quase aventura que devo ao meu cunhado,
Toninho Paes, em vez de quem assumi poucas aulas semanais, nos estertores de uma escola tradicional aqui de SAMPA, o LICEU EDUARDO PRADO.
A escola estava sendo incorporada ao COLÉGIO E FACULDADE LUSWELL, ainda hoje no bairro de MOEMA, e precisava formar a sua última turma de alunos, e mudar de rumo.
Quer dizer, coube ao TIO SÉRGIO e a outros enterrar de vez uma escola que havia perdido nexo com o real da época.
O ano de 1981 foi, para mim, intenso, prazeroso e muito, mas muito difícil! Foi assim que rolou:
Em junho, eu havia terminado a FACULDADE DE COMUNICAÇÕES SOCIAIS, na FUNDAÇÃO CÁSPER LÍEBRO, uma das melhores do BRASIL, na época, não é
Ayrton Mugnaini Jr.? Meu contemporâneo na famosa e tradicional “CÁSPER”.
Eu estava apto a me tornar JORNALISTA, o que somada à minha formação em CIÊNCIAS SOCIAIS, pela FFLCH, da USP, julguei barbada para entrar no mercado. Fui muito bom aluno nas duas faculdades. Eu provo com meus boletins…
Mas, essa é história diferente. E, entre os hipotéticos talento e vocação, muitas vezes sobrepõem-se a realidade e mil intercorrências. Sou mais “professor”, “jornalista” e “sociólogo” hoje, do que jamais consegui ser quando jovem…
É pretensão minha? Talvez, mas assim interpreto. O mundo está repleto de gente na minha situação.
Pois bem:
Marquei horário e compareci. Conversei com a diretoria da Escola. Eles nem pestanejaram: fui contratado na hora e sem questionamentos.
Valeu a minha formação, currículo, essas coisas; e até atividade profissional, pequeno e sofrido empresário. Eu suponho…
Mas pensando melhor, também não importava. Foi um misto de “só tem tu? então vai tu mesmo”; e, “Graças as Deus! apareceu o coveiro que faltava”!
Foi para lecionar no terceiro ano do CURSO TÉCNICO DE ADMINISTRAÇÃO DE EMPRESAS. E as matérias para as quais me contrataram foram “RELAÇÕES INTERNACIONAIS” e “NOÇÕES BÁSICAS DE ECONOMIA”. Ministrei aulas de duas a três horas por semana. Tipo entre 4 ou 6 horas no mesmo dia. Não me recordo exatamente. Entrava as 8 horas e saía as duas horas da tarde, toda sexta feira.
Achei ótimo… Até que houve a primeira reunião com outros colegas professores para tomar conhecimento do conteúdo. Era inespecífico; ninguém sabia ao certo o que fazer, a escola há anos não tinha professores para isso… O importante era tocar a bola, não reprovar ninguém e o jogo seguiu.
Então, eu bolei o que achei ideal.
“RELAÇÕES INTERNACIONAIS”, para mim, era o curso que havia feito na USP, por 2 semestres, com o PROFESSOR OLIVEIROS FERREIRA, na época também editor chefe do “ESTADÃO” e padrasto do jornalista WILLIAN WAACK.
OLIVEIROS era um grande intelectual; Liberal demais para seus colegas na USP, e profundo conhecedor de política externa e seus fundamentos.
Ele nos ensinou a sério os conceitos da GEOPOLÍTICA. Estudamos os interesses de cada país em face de sua geografia e potencialidades de projeção de poder. E compreendi as vulnerabilidades estudando mapas e teorias. O fino!
E não deu outra. Em vez de ensinar jargãos de comércio exterior, como F.O.B e outras siglas, e as coisas pequenas de importância relativa, comecei a orientar e discutir com os alunos as GUERRAS DE INDEPENDÊNCIA DAS COLÔNIAS PORTUGUESAS NA ÁFRICA; a saída dos ingleses da antiga RODÉSIA, hoje ZIMBABWE; e, principalmente, o papel do BRASIL como contraponto à influência cubana – impulsionada pelos soviéticos na região.
Eram temas palpitantes em meados dos anos 1970 e início dos oitenta. Tanto é que, de fato, o Sul da África se tornou independente. E o BRASIL, até hoje, tem claros interesses geopolíticos e econômicos na região. Esse movimento todo fez parte de um contraponto civilizatório, na minha opinião.
É o que o PT com o experiente diplomata CELSO AMORIM tenta fazer, desde o primeiro governo LULA, e até agora. É da tradição o ITAMARATI.
O governo de ERNESTO GEISEL, 1974/1979, introduziu essa política com o ministro das Relações Exteriores da época, AZEREDO DA SILVEIRA. E administrou com outro grande diplomata, ÍTALO ZAPPA, que conseguiu conviver e negociar tanto com os governos estabelecidos, quanto os rebeldes revolucionários.
A História é longuíssima, e vitoriosa do ponto de vista geopolítico para o BRASIL, CUBA, RÚSSIA e até os EUA…
Mas, foi ruim para PORTUGAL, que perdeu suas colônias. Em compensação democratizou-se e modernizou-se, também. Se continuasse colonialista, nossos irmãozinhos ibéricos teriam quebrado de vez.
Hoje, o curso moderno de RELAÇÕES INTERNACIONAIS é estratégico e tem currículo muito mais amplo e diferente. Mas, seja como for, estive lá!
A segunda matéria que lecionei foi “INTRODUÇÃO À ECONOMIA”. E, como cantam FRANK SINATRA e o SID VICIOUS, “I DID IT MY WAY”!
O currículo original supunha noções básicas de MICROECONOMIA, teoria que trata as condicionantes econômicas a partir de empresas, famílias, e os indivíduos. Os detalhes, digamos…
Eu mesmo fiz o curso técnico de ADMINISTRAÇÃO DE EMPRESAS, no COLÉGIO OSWALDO CRUZ, de onde saiu a FACULDADE com o mesmo nome. Foi um jeito de mais ou menos viabilizar alguma profissão. No meu tempo, uma certa objetividade era necessária. Eu já trabalhava desde os 14 anos. Portanto,
Só que, eu não era… digamos…, assim.
Seguindo o jogo, como professor e aproveitando o tanto faz reinante, achei melhor tentar explicar a MACROECONOMIA para a meninada.
É mais fascinante, mais abrangente, e se coadunava com o entendimento que eu havia escolhido para tentar falar de RELAÇÕES INTERNACIONAIS. Tentei explicar um pouco sobre inflação, essas coisas…
E cometi um deslize criativo: peguei um texto fabuloso de KARL MARX, na INTRODUÇÃO À CRITICA DA ECONOMIA POLÍTICA, chamado PRODUÇÃO, CIRCULAÇÃO, TROCA E CONSUMO, e tentei explicar para a meninada como tudo se comunicava, se encaixava, na vida econômica.
Fiz isso, porque até hoje considero uma portentosa lição de ANTROPOLOGIA CULTURAL. O alemão tenta expor o funcionamento da sociedade. É uma visão de conjunto.
Claro, as coisas são muito, mas muito mais complexas. Mas, fosse como fosse, havia uma visão explicativa bem didática.
Explicação que o marxismo vulgar se utiliza para expor dialeticamente “a realidade”.
Mas, deu algum Tilt…como se dizia, oooops!
Fui chamado à direção da escola: religiosa, protestante e ultra-conservadora, que também não sabia o que propor. Quiseram saber de onde eu tirara os ensinamentos?
Enrolei. Eles toparam, porque tanto fazia…
Resumindo, até o final tentei ensinar aos garotos e garotas a ler jornais. Um caminho de aproximação sucessiva com o mundo. Era muito mais realista do que tentar passar conceitos, principalmente marxistas, para filhos de banqueiros, ou no mínimo gente de classe média alta e consumista… Brasil de outros tempos…
Mas, aí entra o fator humano, as circunstâncias da implosão daquela escola, e o passo seguinte da meninada na vida. Iriam para a faculdade.
A escola em total desconstrução liberava os alunos para porra nenhuma.
Eu enquanto professor improvisado não tinha a menor ideia do que era didática. Não sabia ensinar.
Em contrapartida, a sala de aulas era zona total! No primeiro dia de aulas, um gaiato perguntou se podia fumar durante as aulas.
Eu, recém saído da USP e da CÁSPER, nem titubeei:
“É claro que pode”, disse!
Houve explosão atômica a céu aberto! vinte minutos de fumacê, e lá veio o diretor me “explicar” que era terminantemente proibido!!!
Minha autoridade foi pro espaço. Mas contornei com a turma, disse que na faculdade tudo era mais liberal, essas coisas…
Ainda assim, o cheiro de fumaça no fundão, sempre me obrigava a dizer quê…etc, e tal…
A segunda provocação foi quando um simpático vida boa perguntou se eu reprovaria alguém…
“Não, de jeito nenhum”, respondi! E aí não teve mais jeito. Instalou-se a entropia…
A maioria não dava bola pra nada. Mas, alguns gostavam e se interessavam. Tentei mais ou menos encaminha-los…
Fui levando…
Era preciso fazer avalição, dar notas.
De novo, fiz bobagem. E Lembrei da USP.
Para ECONOMIA, pedi que dissertassem sobre a seguinte questão: se o crescimento do Estado na vida econômica não restringiria as liberdades individuais?
Em 1981, a presença da Estado hipertrofiado estava em seu auge. E o país era uma ditadura, com a inflação lá no alto. Eu baseei a pergunta em um texto do economista liberal ROBERT HEILBRONER, que saíra na REVISTA EXAME, e suscitou algum debate.
A ideia do professor era dizer que sem iniciativa privada não haveria liberdades individuais. Uma verdade, aliás…
A minha ideia era ver se a garotada ligava uma coisa à outra – muito difícil até pra mim, que também não acreditava em ideias liberais. Quando eu entrei na USP eu me achava socialista. Na verdade, lentamente, entendi que nunca fui…
No final da década de 1970, eu estava em dolorosa transição ideológica para algum tipo de ideia socialdemocrata. Sofri indizivelmente com essa dúvida, acreditem!
No trabalho final teve de tudo como resposta.
Porém, fiquei impressionado com uma dondoca ( ahhh, como existiam… ) que não estudava nunca, e apresentou um texto bem escrito e correto.
Chamei a moça e não deu outra: o namorado havia escrito por ela. Eu delicadamente disse para refazer com os próprios argumentos. Ficou possessa! Como eu poderia pensar uma coisa daquelas… Refez…
Todo mundo passou, claro. Imagine um libertário sem noção como eu reprovando quem quer que fosse?
No final do ano de 1981, a escola acabou. Eu fui demitido por telegrama.
Daqueles meninos eu soube do destino de três. Um tornou-se médico. Outra era filha do presidente à época do Clube Paulistano, até hoje reduto da elite tradicional paulista. E, como diria o professor OLIVEIROS, “seguiu seu destino manifesto”, que era continuar rica…
Uma terceira, talvez a melhor aluna da turma, tocava piano, era bela e gostava de artes. Não consegui confirmação explícita, mas tornou-se cantora de JAZZ e pianista. Não cito o nome, por enquanto.
E a vida seguiu… Foi muito divertido e instrutivo. Eu deveria ter persistido, procurado dar algumas aulas, essas coisas.
Provavelmente, ninguém se recorda mais de mim!!